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Advogada defende criação de APAC em Uberaba: "índice de ressocialização lá é de 90%"

Larissa Prata
Publicado em 18/10/2021 às 08:38Atualizado em 19/12/2022 às 01:42
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Evitar que o preso volte ao encarceramento após o cumprimento da pena é o grande desafio da segurança pública. Contudo, pouco ou quase nada é feito para que o indivíduo, após deixar o sistema penitenciário, tenha condições de se restabelecer na vida em sociedade. O alerta é da advogada criminalista Roberta Toledo, que lamenta o que chama de falta de vontade para fazer a ressocialização dos presos dar certo. 

Após recente visita à Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), da cidade de Frutal, a advogada voltou convencida de que este é o melhor caminho para desafogar o sistema carcerário de Uberaba. Além do processo de humanização do indivíduo preso, a Apac também reduz o custo de manutenção dos indivíduos encarcerados. Isso porque ao invés de ficarem ociosos 24h por dia durante o cumprimento da pena, os detentos devem estudar e trabalhar, tal qual a vida em sociedade preconiza para seus indivíduos. 

“Frutal deu um show. É uma pena que Uberaba esteja tão atrás, inclusive com força política também, porque eles montaram lá uma Apac juvenil, uma Apac feminina e uma Apac masculina. Os presos trabalham e estudam da hora que acordam à hora que dormem. A organização, todos trabalhando, todos envolvidos, e o índice de ressocialização lá é de 90%. Isso quer dizer que de cada dez, nove não voltam para a delinquência. Hoje eles já estão distribuindo marmitas para famílias carentes, vulneráveis, de rua. É um projeto maravilhoso. O empenho do Judiciário lá, do prefeito e dos vereadores... fantástico! Então eu acho que em Uberaba falta vontade. Falta vontade política. Falta vontade de reunir realmente um grupo e falar 'vamos montar e acontecer, com apoio', porque fazer as coisas sozinha não é fácil”, lamenta Roberta Toledo.

À frente do Conselho da Comunidade até recentemente, a advogada criminalista revela que durante o período em que atuou voluntariamente pela ressocialização de presos não teve sequer um escritório, um telefone ou contador para a realização da atividade. “O conselho não tem sede. A sede do conselho é meu carro, minha gasolina, meu telefone, meu tempo. Fazer as coisas e lutar contra o Estado sozinha é muito difícil. Eu me desgastei muito, briguei muito. Eu não tinha um contador! Como vou receber dinheiro público sem contador? Se você recebe dinheiro público, você tem que prestar conta. Se esse dinheiro sumir você vai receber uma ação de improbidade administrativa. É muito desafio”, desabafa. Se não for a Apac, a outra possibilidade é ter uma frente de ressocialização efetiva em funcionamento.

Mas, se os projetos para a ressocialização dos presos empacavam pelos mais diversos desafios enfrentados pelo Conselho da Comunidade, como uma Apac funcionaria? Quem bancaria financeiramente essa implantação? “O Judiciário, as penas pecuniárias hoje vão todas para um fundo. Esse dinheiro hoje está para a Covid, mas a juíza me deu a notícia que o Estado já liberou para usar esse dinheiro para a Segurança Pública, que foi o que eu sempre "briguei", porque esse dinheiro ia para creche, para orfanato, para asilo, etc, só que a gente está com esse problema no presídio de não recuperar as pessoas por falta de investimento, por falta de dinheiro, por falta de vontade também, porque tem atividades que não custavam dinheiro. Agora ela me disse que o Estado liberou para investir em segurança pública, só que depois da Covid. O Judiciário tem essa verba. Ou o Executivo, e aqui eu falo tanto a termo municipal quanto Estado, principalmente, porque é de responsabilidade dele, ter que bancar essa construção”, aponta Roberta Toledo.

Na prática, a Apac representa uma relação de só benefícios para todos os lados. Para os presos, principalmente, já que a eles é dada uma oportunidade. Mas para o Estado, de uma forma geral, também, já que o custo de manutenção da população encarcerada diminui drasticamente. “A Apac não se destina ainda a todos os presos de uma forma imediata. Há presos que precisam passar primeiro pela Sepae para ver o comportamento deles para ver se eles têm condições de ir para uma Apac. Porque lá precisa ter um comportamento mais adequado com a responsabilidade, com a liberdade, com o trabalho, com o estudo... Vou só fazer um parêntese: quando fui visitar a Apac tinham cinco presas que eu trabalhei com elas aqui em Uberaba na oficina da Apae. Foi um ano de trabalho com essas presas que tinham um comportamento super complicado e depois que elas participaram dessa oficina conosco tiveram condições de ir para a Apac. Então foi um reencontro muito legal lá. O que a gente precisa? Um terreno e um imóvel. O preso da Apac fica na faixa de R$ 800 a R$ 1.000, podendo baixar custos. O preso da Sepae fica na faixa de R$ 3.000 a R$ 3.500”, revela a advogada. 

No que tange aos benefícios da sociedade, a Apac ainda é, em última instância, a promoção da segurança pública em todos os aspectos. “No sistema penitenciário tradicional, a cada 10, 9 voltam para a delinquência. Não vejo outra forma de humanizar fora do trabalho e da escola. Para onde eu mando meus filhos para serem humanizados? É dentro da minha casa e na escola. Como você pode ter um regime que mantém as pessoas 24h ociosas e um tempo depois abre a porta do presídio e fala "vira gente", "vira humano e tenha comportamento humano". É ilógico”, analisa Roberta Toledo. “O presídio é gasto público. A Apac é investimento. Porque nós vamos colher frutos desse investimento financeiro de ter humanos do outro lado. Hoje é gasto porque você devolve para a sociedade indivíduos muito mais violentos, muito mais agressivos, muito mais perigosos. Gastando uma fortuna”, acrescenta. 

“Na verdade, a Apac representa o cumprimento da Lei de Execução Penal, que o preso tem que trabalhar e estudar da hora que acorda à hora que dorme. Na Apac várias coisas que eles produzem eles vendem para a comunidade, o que ajuda na manutenção, a custear dela. Lá você tem marcenaria, serralheria, horta, padaria, confecção, escola. Eles são obrigados a estudar e obrigados a trabalhar. Se você entra lá, vê tudo pintado, as camas organizadas, todo mundo dorme em cama, tem banheiro, privada. Vocês devem estar achando um absurdo falar isso, mas na Sepae não existe isso. Lá têm momentos religiosos. Na Apac de Frutal eles conseguiram construir a escola com a mão de obra presa e vendendo produtos da horta, da marcenaria, da serralheria, fazendo pizza na cozinha e vendendo no final de semana. Conseguiram arrecadar o dinheiro e construíram a escola e a biblioteca. É esse o projeto. Eles não ficam ociosos de forma alguma. Se ficar ocioso ou se tiver uma indisciplina eles são punidos. Aí vão ficar na cela o dia todo, não vão sair para fazer as atividades. Então lá existe um processo de humanização. Eu falo que eles entram indivíduos e saem humanos de lá. O contrário do nosso sistema penitenciário de uma forma geral, que entra mais ou menos humano e sai indivíduo, porque durante a estadia no presídio é um processo constante de desumanização”, finaliza a advogada. 

DIRETO DE TODOS

Ao contrário do que muito se pensa na “sabedoria” popular, assegurar os direitos básicos de um preso é tão fundamental em uma democracia quanto de qualquer outro indivíduo. Isso porque o direito de uns não sobrepuja o direito de outros. “Isso não é caridade, isso é direito. E muita gente fica dizendo “mas ah, e como fica a vítima? Você fica aí defendendo vagabundos”, mas não é assim. Na democracia você não tem que tirar os direitos de uns para dar para outro, incluir um e excluir o outro. Não. Aqui nós temos que trabalhar em conjunto para a inclusão de todos. E muitos que estão no presídio, o Estado falhou aqui fora na implementação de direitos fundamentais, especialmente a escola. Ali 90% não tem ensino médio. É obrigação do Estado de que enquanto o preso estivesse ali ele saísse com pelo menos um curso profissionalizante para que ele pudesse, quando saísse, fazer escolhas diferentes da criminalidade. Assim como a vítima tem direito, tem que ser atendida, acolhida, nós não estamos excluindo. São coisas conjuntas”, aponta Roberta Toledo. 

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