SEGURIDADE SOCIAL

Pressão fiscal e informalidade reacendem discussão sobre nova reforma da Previdência

Antes de impor mais cortes, país precisa enfrentar informalidade, cobrar dívidas bilionárias e repensar modelo de proteção social com foco em inclusão e justiça

Publicado em 16/05/2025 às 15:12Atualizado em 16/05/2025 às 15:13
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O debate sobre uma nova reforma da Previdência voltou a ocupar espaço no centro das discussões políticas e econômicas. O envelhecimento da população, o avanço da informalidade nas relações de trabalho e o aumento da pressão fiscal são apresentados como justificativas para rever novamente as regras do sistema. Mas, antes de qualquer mudança, é necessário fazer uma pausa e refletir: o que deu errado desde a última reforma? E quais caminhos realmente conduzem à sustentabilidade do modelo?

A Emenda Constitucional nº 103, aprovada em 2019, representou uma das mudanças mais profundas já realizadas na Previdência brasileira. Aumentou a idade mínima para aposentadoria, elevou o tempo de contribuição, alterou a forma de cálculo dos benefícios e reduziu valores pagos a milhões de segurados. À época, o discurso era de que as novas regras garantiriam equilíbrio por uma geração. No entanto, apenas alguns anos depois, fala-se em mais uma rodada de cortes — como se a anterior tivesse sido insuficiente ou mal planejada.

Mais do que um ajuste fiscal, a questão é sobre qual modelo de proteção social o Brasil quer adotar. É verdade que a população está envelhecendo rapidamente — o IBGE estima que o número de brasileiros com 65 anos ou mais dobrará até 2040. Mas usar essa realidade como justificativa para penalizar ainda mais quem depende da aposentadoria seria uma medida não apenas injusta, mas ineficaz.

Além disso, o perfil do mercado de trabalho mudou drasticamente. A ascensão da economia digital e o fenômeno da “uberização” criaram uma nova massa de trabalhadores informais — muitos deles jovens da geração Z — que atuam como entregadores, autônomos, influenciadores ou freelancers, sem qualquer vínculo formal e, muitas vezes, sem saber como ou por que contribuir com a Previdência. Ignorar essa transformação é ignorar a raiz do problema da arrecadação.

A resposta não está em cortar mais. Está em incluir mais. Políticas de estímulo à formalização, cobrança proporcional sobre plataformas digitais, educação previdenciária desde a infância e medidas para atrair contribuintes são alternativas que fortalecem o sistema sem sacrificar direitos. Também é urgente enfrentar a evasão fiscal: empresas e grupos econômicos devem mais de R$ 500 bilhões à Previdência. Sem enfrentar essa dívida, qualquer discurso sobre “rombo” perde legitimidade.

Outro ponto crucial é a modernização do INSS. Investir em tecnologia, cruzamento de dados e inteligência artificial pode eliminar erros, acelerar análises e evitar pagamentos indevidos. Há espaço para ganhos expressivos de eficiência, sem que seja necessário restringir ainda mais o acesso de segurados de boa-fé.

Comparações com países europeus não se sustentam se descontextualizadas. Aqui, a Previdência não é apenas aposentadoria: também é assistência social, pensões, auxílios por incapacidade. Em um país com alta desigualdade, desemprego persistente e informalidade estrutural, importar modelos sem adaptação é perigoso.

A Previdência é, sobretudo, um instrumento de redistribuição de renda e uma base de sustento para milhões de famílias. Em centenas de municípios brasileiros, o benefício pago pelo INSS movimenta o comércio, mantém o consumo e garante a sobrevivência. Tratar esse sistema apenas como um número no orçamento é um erro grave.

Antes de avançar com uma nova reforma, é essencial revisar os efeitos da anterior e entender os impactos reais que ela provocou. Decisões com base em projeções frágeis ou avaliações parciais tendem a aprofundar desigualdades em vez de corrigi-las. O país precisa de um novo pacto previdenciário: moderno, responsável e, acima de tudo, justo.

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