Cálculo de Putin sobre envolvimento direto no conflito do Irã contra EUA leva em conta riscos globais delicados (Foto/Alexander Kazakov/Pool/AFP)
A primeira resposta do Irã ao inédito ataque dos Estados Unidos a suas instalações nucleares foi a intensificação de suas barragens de mísseis balísticos contra Israel, o aliado a quem Donald Trump se uniu contra Teerã. Mas a teocracia promete revidar contra Washington e irá consultar o aliado Vladimir Putin sobre a crise.
Uma salva de mísseis deixou ao menos 30 feridos e, segundo as forças israelenses, envolveu cerca de 40 projéteis, que atingiram três regiões, inclusive a maior zona metropolitana do país, em torno de Tel Aviv.
Nos últimos dias, a média era de 15, o que indicava que Teerã tinha dificuldades em manter o ritmo do primeiro ataque retaliatório a Israel, que envolveu 200 lançamentos na noite da sexta retrasada (13/06).
Autoridades iranianas prometeram resposta ao ataque americano da madrugada deste domingo (22, noite de sábado no Brasil). O presidente do país, Masoud Pezeshkian, disse à imprensa estatal que "nós sempre defendemos nosso solo e nossa água", enquanto o chanceler Abbas Araghchi afirmou que o revide virá.
"Esperem pela nossa resposta primeiro. Quando a agressão acabar, aí podemos voltar à diplomacia", afirmou ele em Istambul. De lá ele voará a Moscou, onde se encontra com o presidente russo nesta segunda (23/06).
O iraniano ganha tempo pois suas opções são limitadas. Putin, salvo a hipótese de querer começar a Terceira Guerra Mundial, não pode vir a seu socorro do ponto de vista militar, até porque sua prioridade é manter a boa vontade de Trump com a Rússia no tema da Guerra da Ucrânia.
O americano abriu um canal direto com o russo e comprou sua visão acerca dos motivos do conflito europeu, um ativo do qual o Kremlin não pode abrir mão, ainda que as negociações para a paz estejam emperradas. Por ora, a Rússia condenou o ataque de Trump, assim como sua parceira China.
Os caminhos possíveis para o Irã
Sozinho, o Irã tem três caminhos. Um seria aceitar a capitulação proposta por Trump, que disse estar satisfeito com o que chamou de obliteração da "fortaleza nuclear" de Fordow, além das centrais de Natanz e Isfahan.
A história da República Islâmica, cujo ato fundador em 1979 foi a tomada da embaixada americana e a subsequente crise dos reféns, desautoriza em tese essa opção.
Em 2019, no seu primeiro mandato, Trump matou o principal general iraniano, Qassim Suleimani, ao ordenar um ataque com drone no aeroporto de Bagdá. Ali, Teerã respondeu de forma comedida, lançando mísseis contra duas bases americanas no Iraque.
Ambos os lados se deram por satisfeitos, e a crise ficou nisso. Agora, uma ação proporcional parece bem mais difícil de não ser lida como escalada, a levar pelo valor de face o que Trump disse, o que leva à terceira opção - uma guerra ampliada.
Teerã tem um cardápio de alvos americanos na região que pode alvejar de forma indireta, com ajuda de milícias xiitas no Iraque ou os houthis do Iêmen. Seriam ações provavelmente limitadas para dar uma resposta pública do regime ao que denunciou como agressão de Trump.
O americano promete "uma tragédia" para os iranianos se algo acontecer. Pode ser blefe, mas condições objetivas ele tem, como nenhum de seus antecessores teve em 46 anos de azedume com Teerã.
Uma semana de campanha aérea israelense, que continuou nesta manhã de domingo contra alvos militares, desmontou a defesa do Irã. O céus do país estão abertos a quem quiser usá-los de forma agressiva, como foi o caso dos bombardeiros furtivos ao radar B-2 empregados no ataque deste domingo.
O Irã também pode fazer o temido bloqueio do Estreito de Hormuz, uma faixa que liga o golfo Pérsico ao resto do mundo, por onde passam cerca de 30% do petróleo e 20% do gás liquefeito vendidos no planeta. Isso causaria uma hecatombe econômica que atingiria os EUA, mas também abriria porta para retaliações maciças.
A crise toda tem causas mais profundas, mas seu gatilho foi o programa nuclear iraniano. Trump havia deixado em 2018 acordo que trocava a promessa de Teerã de não buscar a bomba atômica pelo relaxamento de sanções econômicas.
O Irã passou a acelerar o ritmo do enriquecimento de seu urânio, e especialistas falam que o país poderia fazer rapidamente até seis bombas - Israel estima 15. Trump então reabriu as negociações sob coerção militar, reforçando suas posições na região, e exigiu o fim total do programa.
O líder supremo iraniano, Ali Khamenei, não topou, pois isso tiraria a principal carta para negociações. Ter as centrífugas de enriquecimento significa tanto ser pacífico como poder ser uma potência nuclear, se for essa a opção. O impasse e um relatório da ONU considerando o Irã em violação de compromissos de transparência de seu programa deram a senha para Israel agir, mesmo sem os EUA.
O ataque de Trump, protelado por dias, foi desenhado para encerrar o conflito em termos favoráveis aos EUA e a Israel, sem buscar mudar o regime em Teerã - Benjamin Netanyahu até quer isso e o americano sugeriu matar o líder Ali Khamenei, mas a confusão seria enorme e tragaria Washington.
Tudo o que o republicano não quer é ser acusado, como já está sendo, por sua base fiel de ter traído o princípio de não se envolver em conflitos distantes. Num mundo globalizado, por óbvio, isso não existe, daí o formato de ataque em prestações proposto por Washington.
O problema é se Teerã dobrar a aposta, talvez com alguma promessa russa desconhecida. Para Putin, a Ucrânia é prioridade, mas manter a teocracia no poder em Teerã também é um imperativo geopolítico.
Os países são rivais históricos na região do Cáucaso, mas se uniram no eixo contra o Ocidente centrado em Pequim na Guerra Fria 2.0. Se perder os aiatolás, o Kremlin perde de vez a influência considerável que tinha no Oriente Médio - já arranhada pela queda do ditador Bashar al-Assad, seu aliado, na Síria.
Fonte/O Tempo