Quando o assunto é Outubro Rosa, o mês marcado por ações de prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama, lembro-me de quando entrei, desavisadamente, em um estúdio improvisado de tatuagem, durante o evento “Primavera Rosa”, no Rio de Janeiro. Mulheres mastectomizadas tinham sido convidadas a tatuar, com autorização médica, a auréola dos seios implantados. Quando me deparei com aquela cena, retornei três passos. “Vem cá, menino! Pode entrar. Eu não ligo com isso não”. Era Beth Campos quem estava lá dentro. “Essa era a parte do corpo que eu mais gostava”, sussurrou enquanto o tatuador pigmentava uma antiga homenagem, com o nome do marido, no seio esquerdo. Antes mesmo que ela continuasse, eu me apressei: “Você lembra a minha avó”. E ela correspondeu: “Então, vem cá me dar um abraço”. Apesar do momento acalentador, fui repreendido várias vezes por tratá-la por senhora (quase uma obrigação pelos cabelos branquinhos, feito algodão). Beth sentou em frente a mim e nosso papo foi algo inevitável. Eu só não esperava, ali, uma aula de como se vive a vida. “Tudo aconteceu em 2014. Eu sempre cuidei dele – contou Beth, ao falar com carinho, da carreira de um famoso cantor brasileiro – e, de repente, eu me vi tendo que cuidar de mim. O câncer não dói, né? Eu descobri porque fui ficando muito cansada, muito magra, já não aguentava mais ir trabalhar. E você sabe né? Hoje em dia, tudo dá câncer”. Naquela época, Beth havia descoberto o câncer de mama há três anos. A alegria no rosto e a expressão enérgica ao falar jamais denunciariam, em um primeiro momento, a insatisfação que ela, uma professora de literatura, sentia, imposta por algumas novas limitações. “Eu quero sair, quero conhecer gente, quero conversar, quero colocar projetos ainda em prática”. E ela continuou: “Não preenchi totalmente a mama não. Peguei um pouco de músculo da costela e só. Ah, não é a mesma coisa. Mexe com a vaidade da gente. Tenho medo de chocar, sabe? Não é bonito! Mas já existem até biquínis com preenchimento pra gente”, sorriu, aliviada. Com o fim daquele barulho característico no estúdio, Beth se levantou e começou a comemorar o resultado da tatuagem. “Ficou novinha de novo! Ele merece! Me deu muito apoio. Será que meu marido vai gostar?”, questionou, mostrando-me a nova arte. “Menino, vem cá! Deixa de ser bobo. Me dá a sua opinião!”. Sem ouvir uma resposta da minha parte, Beth continuou a falar: “Sabe… eu sou muito vaidosa, sim! Mas, como eu te contei, eu não coloquei peito não. Isso, aliás, nunca passou pela minha cabeça. Pelo menos, até agora. A gente joga um xale e… está ótimo. Joga um cachecol e… (aos risos) quem vai dizer que eu sou uma mulher despeitada?”. E, então, eu finalmente respondi: “Ninguém. Ninguém diz que você é uma mulher despeitada, Beth, porque se há algo que nunca te faltou nessa história… foram peitos”.
Vinícius Silva
Uberabense, jornalista e apaixonado pela arte de ouvir e contar histórias (@mealugoparaouvirhistorias)