ARTICULISTAS

A arte é a flauta mágica do artista

Vânia Maria Resende
Publicado em 03/05/2025 às 11:35
Compartilhar

Este é o último dos cinco artigos de uma série dedicada a Ziraldo. Todos reincidiram sobre dois aspectos: um é a importância do artista para a cultura brasileira, devido à originalidade de suas competências múltiplas conjugadas numa longa e diversificada criação; outro é o registro de momentos inesquecíveis da sua presença em Uberaba e de sua relação com leitores uberabenses.

Ziraldo estava sempre conectado com as pessoas. Tinha interesse no que cada uma revelava de único. Sabia “outrar” (verbo que costumava usar). Por isso, exercia muito fascínio nas relações. Em todo lugar, era cercado por gente e seguido por um séquito de admiradores. Marcos de Vasconcellos definiu o artista como “pluriapto inventor” e o homem, como este ser amoroso: “O tempo todo preocupado e ocupado com o bem-estar de todo mundo – velho, velha, mulher, homem, menino, menina, cachorro, gato, rato, canário, saci, minhoca, qualquer casal que tenha povoado a arca do seu antepassado Noé [...]” (contracapa do livro “Rolim”).

Homem e artista fizeram a passagem do menino livre ao adulto expansivo, feliz, como ocorreu com o Menino Maluquinho. Por ter vivido a infância sem contenção do ritmo natural afetivo e criativo, o Maluquinho se tornou um “cara legal”. Essa personagem e todas as infantis, adultas, personificações (Bichinho da Maçã, Canguru, Flicts) no mesmo compasso de liberdade, emoção e criatividade impulsivas de seu criador. Criador e criatura, cativantes na sua espontaneidade e alegria irreverentes...

A viagem na obra de Ziraldo é providencial ao crescimento pela exploração de horizontes maiores, no mergulho no desconhecido. Constata-se isso nos livros “O pequeno planeta perdido”, “Ave Jorge” e em todos da coleção dos meninos dos planetas (dez títulos, publicados entre 2006-2018). Experiência fantástica pelo espaço é vivida pelo bichinho de “O planeta Lilás” (1979). Depois de sua viagem circular retorna às origens, ao ponto de partida, e reconhece que o planeta onde morava “era uma violeta/ guardada dentro de um livro”. Uma descoberta assim surpreendente sobre si mesmo é a maior de todas, pois, a partir dela, modifica-se o ponto de vista sobre tudo.

O campo de visão circular não é como o do cavalo com antolho que abarca o imediato, apenas o que está diante dele. Tem-se, na circularidade, uma perspectiva ampla, com alcance de tempo e espaço simultâneos e globais. As personagens de Ziraldo seguem o chamamento para irem em frente; aventuram-se no conhecimento interior e ao mesmo tempo exterior. Assim é nas obras “Flicts”, “O menino marrom”, “Menino do Rio Doce”, “O menino e seu amigo”, “O menino quadradinho”. Na conquista do que está além, os protagonistas rompem os limites do conhecido; alargam fronteiras. Passam do regional a espaços ilimitados sem perder a essência da origem.

Essa conquista foi também a do Ziraldo. Por construção própria, a partir de possibilidades natas, tornou-se o “alegre demiurgo”, como definiu Nelly Coelho. Onisciente, com olhar circular, o demiurgo capta o ínfimo, o invisível, o avesso; o fora, o dentro, o entre. O viver intenso do artista e sua curiosidade ampliada, atendendo a várias faces da sua genialidade, o acompanharam toda a vida. Em 2012, aos 80 anos, Ziraldo disse: “a velhice não é triste. A velhice não é o fim. [...] A vida continua com a mesma intensidade” (entrevista à MGTV – Globoplay.globo.com, no 1º Fliaraxá).

Uberaba teve relação especial com Ziraldo, o que se estreitou com a inauguração da Livraria Menino Maluquinho (que não era dele, como alguns supunham). Três vezes a Livraria o trouxe a Uberaba e o recepcionou com festas lindas (em 83, 87, 89); uma quarta festa grandiosa foi realizada pela Secretaria Municipal de Educação em 2000. Esses eventos, inspirados na sua literatura infantil, aproximavam artista e leitores de todas as idades. Ziraldo se entendia muito bem com todos. Mas os que o emocionavam pra valer eram crianças, inclusive uberabenses, como registrou Sônia Coutinho a partir de entrevista com ele em 87 (Globo Revista Literária – Ano I – Nº 2):

“Já a maior gratificação de Ziraldo [...] é o carinho das crianças e adolescentes do Brasil inteiro, que ele comprova quando vai a alguma cidade do interior. Como aconteceu, recentemente, em Uberaba, onde foi participar de uma semana de livros: quando saía às ruas, conta, parecia até o flautista Hamelin, da história infantil. Havia sempre umas cem crianças atrás dele, agarradas em suas mãos e em sua roupa. Um prazer atordoante”.

 Vânia Maria Resende

Educadora, Doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por