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Fanfarras

Renato Muniz
Publicado em 05/05/2025 às 17:48
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Acreditem se quiserem: eu já toquei numa fanfarra, mas faz mais de cinquenta anos. O curioso é que a experiência ficou marcada na minha memória. Repito: foi uma experiência marcante, em vários sentidos. É bom dizer que, em relação à música, eu sou ouvinte, às vezes um ouvinte exigente, nada mais. Não tenho ouvido, no sentido técnico, não identifico acordes ou notas musicais. Nunca estudei música, uma frustração.

Não consigo gostar de qualquer gênero musical, de qualquer grupo ou estilo. E detesto barulho, no sentido pejorativo, seja buzina, cachorros latindo, sons de máquinas, sons repetitivos, TV alta, escapamentos abertos, falatórios e risadas inconvenientes. Tem gente que só sabe conversar gritando, é horrível. Devíamos guardar os gritos para as graves injustiças sociais e políticas, para situações onde eles são realmente necessários. Prezo pelo conforto acústico e me preocupo muito com a anunciada surdez das gerações mais novas.

Minha implicância, ou incapacidade de conviver, com sons estridentes é tal que carrego comigo um decibelímetro — aplicativo no celular, bem entendido. Vira e mexe, saio por aí medindo sons. Identifico intensidades diversas em ambientes fechados e abertos, sons em bibliotecas, parques, ruas com trânsito, shows de rock, etc. A exposição constante a ruídos faz mal à saúde.

Sempre gostei de música; por isso, não surpreende o fato de, na adolescência, ter feito parte da fanfarra escolar. Foi nos tempos do ginásio. Experiência boa, embora contraditória. O ponto positivo esteve relacionado à convivência com os colegas, um breve aprendizado musical, fazer parte de um grupo onde o individualismo não deveria ter lugar. Às vezes, funcionava. Os ensaios eram fora do período das aulas, geralmente nos fins de tarde. Um amigo de infância foi chamado para “reger” a fanfarra e, graças a isso, eu deixei minha costumeira timidez de lado e confessava a ele minha inaptidão. Cheguei a um ponto de não mais querer tocar, mas ele insistiu. Isso durou uns dois ou três anos. Depois, mudei eu e o mundo também. Para vários colegas desses tempos, tocar na fanfarra era uma questão de honra, era imperioso, angariava fama, provocava admiração junto às namoradas.

A escola fornecia os instrumentos. Os mais comuns eram: o bumbo, o tarol — o preferido, os que iam na frente —, o surdo, o prato, os metais (corneta, pistão, trombone, tuba). Eu tocava tuba. Era um menino alto para os padrões da época, e, junto com mais uns três ou quatro, fazíamos parte da retaguarda.

Quanto aos aspectos ruins, é que as exibições se restringiam, quase sempre, ao Sete de Setembro e a alguma esporádica competição interescolar. Sabíamos que estava implícito na exibição destacar os feitos da Ditadura Militar, seus questionáveis méritos, exaltar o patriotismo e o ufanismo: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Rebeldes e inconformados com o rumo das coisas, respondíamos, em tom de troça: “O último a sair apague a luz”. Escapamos, quase todos.

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