No mês passado, uma amiga, entusiasmada, enviou-me uma mensagem sobre a suposta decisão histórica do Vaticano de dar a bênção a casais do mesmo sexo em uma relação conjugal. A notícia chamou a atenção da minha amiga e do mundo, porque vai de encontro à doutrina da Igreja Católica de condenar uniões homossexuais. Logo, pensei: apenas os LGBTs católicos ficariam felizes, afinal, o restante de nós não está preocupado com uma bênção, vinda da Igreja, para ser feliz no dia a dia. Minha luta, por exemplo, é por algo maior, como a conquista do casamento civil e seus direitos correlatos em um estado laico. Não quero bênção, mas sim respeito e igualdade jurídica. Mesmo assim, corri para ler mais sobre o tema e encontrei uma distância gigantesca, quase que proposital, pela ambiguidade do documento. Muito ruído e muita desinformação por parte da imprensa, inclusive, por algo que, no fundo e na verdade, não é bem assim. A mensagem reflete o caráter político que ora, duramente, fere a comunidade LGBT quando lhe é conveniente e, quando não, assopra essa mesma ferida. A Igreja havia, então, mudado o seu posicionamento? O próprio Vaticano diz que não. Segundo a publicação, a união homoafetiva continua sendo um ato “irregular”, mas a permissão para que essas bênçãos sejam concedidas é um “sinal de que Deus acolhe a todos”. O documento nada mais é do que uma reafirmação do que significa o sacramento do matrimônio: “a união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta a gerar filhos”, ou seja, uma bênção jamais poderá ser equivalente à celebração de um casamento em uma igreja. Claramente, a medida proíbe que o rito tenha qualquer semelhança com uma cerimônia padrão, por isso, esqueça, desde já, o véu, a grinalda, o buquê, os convidados e todos aqueles outros clichês. Os padres poderão abençoar os homossexuais apenas se quiserem. Não há uma obrigação constitucional. Eles terão a prerrogativa de se negarem, sem qualquer justificativa. Entretanto, contudo, todavia, não poderão impedir a entrada em igrejas daqueles que estejam procurando a ajuda de Deus através de uma “simples” bênção. Mas (mais um mas), apenas se os casais estiverem “em conformidade com a vontade de Deus expressa nos ensinamentos da Igreja”. O que não há sentido se, desde sempre e até hoje, essa comunidade é imoral perante a Igreja. Sendo assim, para que serviriam as bênçãos? De acordo com o documento, apenas para “abrir a própria vida a Deus, para pedir a Sua ajuda para viver melhor e invocar também o Espírito Santo para que os valores do Evangelho sejam vividos com maior fidelidade” ou ainda para “quando a relação com Deus estiver turvada pelo pecado”. Fica difícil não pensar que esse tipo de bênção, que poderia ser o primeiro passo rumo ao futuro do matrimônio homoafetivo, seja na verdade a nova “cura gay” proposta pelo catolicismo. Francisco, o Papa, “peca” ao deixar de lado a oportunidade de se aproximar dessa categoria de fiéis que, há décadas, exige mudanças e modernizações na religião. As bênçãos nada mais são do que um título que irá garantir esse tão sonhado acolhimento por parte da Igreja. Por outro lado, é o fim de qualquer interpretação dúbia para a possibilidade de um “sim” no altar para casais do mesmo sexo. É o ponto final nesta polêmica milenar. Antes disso, havia apenas um desejo e a certeza da exclusão do amor de Deus em relação aos LGBTs. Agora, existe uma situação em que essas pessoas continuam não recebendo o sacramento, mas – de alguma forma – poderão sentir-se incluídas pelo amor de Deus dentro das igrejas. Do lado de fora, seguimos sendo tratados como pecadores e deslegitimados, moralmente, em nossas relações afetivas e familiares, fortalecendo todo o ódio e violência contra nós, em que pesem, ainda sim, essas bênçãos. Dentro ou fora das igrejas, não é agora que o padre vai dizer: “o noivo já pode beijar o noivo”.
Vinícius Silva
Uberabense, jornalista e um apaixonado pela arte de ouvir e contar histórias
@mealugoparaouvirhistorias