CIDADE

Entrevista: 98% dos focos do Aedes nas casas podem ser extintos pelos moradores

Para falar sobre a estratégia a ser adotada pelo município e comentar outros assuntos, o JM entrevistou o secretário Iraci Neto

Thassiana Macedo
Publicado em 25/01/2020 às 10:17Atualizado em 18/12/2022 às 03:47
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Foto/arquivo

Na semana passada, a Secretaria Municipal de Saúde divulgou o primeiro Levantamento Rápido do Índice de Infestação do Aedes aegypti (LIRAa) de 2020, que atingiu 8,9%, o maior já registrado em Uberaba desde o início da pesquisa. Para obter esse índice, agentes de endemias visitaram, entre os dias 6 e 11 de janeiro, mais de oito mil imóveis na cidade. Resultado aponta risco de surto de dengue, mas a pesquisa também indica que a maior parte dos focos ainda está dentro das residências, sendo que 98% dos principais tipos de criadouros encontrados eram passíveis de ser eliminados pelos próprios moradores. De acordo com o levantamento, o maior grau de proliferação do mosquito foi verificado no bairro Portal do Sol, que atingiu 44% de infestação predial. Em seguida aparecem o Ayat Club Residência e o Jardim Santa Clara, ambos com índice de 40%. Apenas 14 bairros tiveram índice de infestação abaixo de 4%, máximo considerado aceitável pelo Ministério da Saúde. Para falar sobre a estratégia a ser adotada pelo município e comentar outros assuntos, o Jornal da Manhã entrevistou o secretário municipal de Saúde, Iraci José de Souza Neto. Confira! 

Jornal da Manhã – Foi divulgado na semana passada mais um índice de infestação do mosquito Aedes aegypti na cidade. Se não é o maior índice, é um dos maiores da história de Uberaba, indicando possível surto ou epidemia. Quais são os verdadeiros riscos que essa infestação oferece?

Iraci José de Souza Neto – Nós divulgamos na segunda-feira (20) um dos eixos importantes para o planejamento das ações da dengue, principalmente nesse período crítico que é agora, em que aumenta a infestação do mosquito em virtude do período climático. Estamos em pleno verão, com chuva, sol, calor e umidade. O LIRAa é um norteador importante dentro das ações, mas não é fator preponderante para se dizer que vai ter surto ou epidemia de dengue. Há dois anos nós tivemos um índice próximo do registrado este ano, chegando a 8,7%. Ou seja, em 2018 tivemos um período sazonal da dengue tranquilo, em torno de 15 a 17 mil notificações, que é um trabalho importante que fazemos nas unidades, e em torno de 500 casos confirmados. Isso está dentro dos padrões de normalidade do controle da dengue, porque não é possível erradicar. Esse novo índice que divulgamos é extremamente preocupante e é o maior desde quando se começou a aferir a infestação em Uberaba. 

JM – E o que leva a esse índice tão alto, secretário? O município deixou de cumprir alguma tarefa ou a sociedade se descuidou?

Iraci Neto – O trabalho de combate e prevenção da dengue é uma ação contínua, constante. Todos os meses nós temos em torno de 160 agentes de combate a endemias nas ruas. Usamos os agentes comunitários de saúde para fazer um trabalho de prevenção da dengue com os moradores nas visitas diárias que fazem às casas. Temos várias ações e atividades educativas nas escolas, potencializando a informação de como prevenir a dengue, mas diagnosticamos, com os dados, que mais de 90% dos criadouros estão no vasinho de planta, que voltou como foco preponderante, no pratinho do cachorro, no ralo, nas garrafas e em outros objetos depositados no quintal, a céu aberto e sem nenhum acondicionamento adequado. São recipientes que podem acumular água e estão dentro das residências. O Poder Público faz as ações, como os mutirões de limpeza, os quais antecipamos para dezembro e já recolheram quase 20 toneladas de lixo compostas por esses tipos de objetos. Durante o ano de 2019 nós recolhemos mais de 80 mil toneladas, fora o serviço de limpeza da Secretaria de Serviços Urbanos e Obras, que também já recolheu milhares de toneladas. Buscamos intensificar essas ações de combate e controle ao vetor em determinados momentos e com a limpeza urbana, mas é preciso relatar nossa grande preocupação em relação ao comportamento da população. Desses 90% de criadouros, 98% são passíveis de ser eliminados pelos próprios moradores. Com 10 minutos diários conseguimos erradicar o problema da dengue na nossa moradia e, se fizermos uma corrente de esforços com toda a comunidade em manter os lares limpos, teremos uma cidade limpa. Assim, estaremos prevenindo não só a dengue, mas uma série de outras doenças. 

JM – Esta semana foi anunciado que a Prefeitura deve retomar a proposta de multar imóveis com foco do mosquito. Como se dará essa medida?

Iraci Neto - São necessárias medidas mais severas para garantir os cuidados com a limpeza dentro dos imóveis. Já existem leis federal e estadual que respaldam a aplicação de multas e tratamos da questão com o Ministério Público. Um decreto será editado pelo prefeito Paulo Piau para respaldar a fiscalização e publicado ainda este mês. Ele vai estabelecer prazo de 72 horas para a limpeza dos imóveis notificados com focos do mosquito. O comunicado das infrações será feito oficialmente, com publicação de lista no Porta-Voz e na imprensa local. Caso nenhuma providência seja tomada, a denúncia será feita ao Ministério Público, para a liberação da entrada forçada no imóvel e execução da limpeza por empresa contratada pela Prefeitura. O proprietário receberá posteriormente a cobrança do serviço e a multa pela infração. 

JM – Tivemos bairros que chegaram a 44% dos domicílios com foco da dengue. O senhor acredita que está faltando mais consciência da população no sentido de manter suas áreas livres de criadouros?

Iraci Neto – Estamos buscando alertar a população a respeito dessa acumulação de resíduos dentro e no entorno das casas e conscientizar as pessoas de que todas têm que fazer o seu esforço, cumprindo seu papel de cidadão, com o olhar também para o próximo. Estive na região que registrou 44%, próximo à penitenciária, e encontramos vários materiais plásticos descartáveis jogados, até folhas de coqueiro que acumulam água. Dentro das residências também deu para perceber acúmulo de lixo. O mosquito da dengue prolifera onde há sujeira e lixo, se fizermos um trabalho de limpeza das nossas casas e do entorno, independentemente da condição do bairro, fazendo um esforço coletivo, conseguiremos vencer essa luta. 

JM – Hoje, a estrutura da secretaria está preparada para um possível surto ou mesmo uma epidemia?

Iraci Neto – Estamos remanejando o planejamento em duas frentes de trabalho em virtude do resultado desse LIRAa. Primeiro, temos as ações de controle e combate ao mosquito. Priorizamos e intensificamos os mutirões de limpeza. Estamos com dois caminhões e vamos potencializar a estrutura com a Secretaria de Serviços Urbanos, condicionada aos locais de maior incidência, como é o caso do Portal do Sol. Vamos começar o mutirão pelos bairros de maior incidência, agregando todas as estruturas da Prefeitura. Estamos contratando, de forma temporária, mais trabalhadores braçais para atuar nesses mutirões. Buscando, dentro do processo legal, contratar para o período sazonal, sem editar decreto emergencial, e mesmo que tenhamos um surto, não vamos trabalhar com decretos emergenciais, pois temos caminhos e vias legais de fundamentação e justificativa para fazer uma compra direta ou uma contratação com recurso do Ministério da Saúde. Vamos acionar o Estado, através da Superintendência Regional de Saúde, para a cessão dos fumacês, ou seja, o veículo com a bomba ajustada e com o inseticida, que é de responsabilidade do Estado. E segundo, o trabalho de fortalecimento de toda a nossa rede assistencial. Desde as unidades básicas de saúde aos hospitais, passando pelas UPAs, estão reforçadas, principalmente, no olhar assistencial. Ao observar casos com dois a três sintomas, os profissionais devem notificar a dengue. 

JM – No início do ano tivemos óbito de uma jovem de 28 anos e a família disse que o procedimento adotado com ela não foi adequado. Mandaram a paciente para casa, ao invés de fornecer tratamento. Houve algum tipo de falha nessa situação?

Iraci Neto – Nós monitoramos a situação durante a semana em que surgiu o fato. Já fizemos todo o levantamento, coleta de amostras, levantamento epidemiológico, inclusive do local, e fizemos reforço no bairro Rio de Janeiro, pois foi evidenciado que poderia ser dengue hemorrágica. Posso adiantar, ainda não oficialmente, que já temos o resultado de que não foi dengue. Estão investigando, dentro das febres hemorrágicas, qual delas poderia ser, mas o diagnóstico, feito por laboratório renomado nacionalmente e que fica em Belo Horizonte, descartou dengue. A jovem foi por duas vezes à UPA, a primeira no Mirante e a segunda no São Benedito. Ela apresentou sintomas que são muito parecidos com os de outras viroses comuns neste período, foi medicada e orientada, retornando quase uma semana depois já com a situação agravada. A pessoa pode até receber alta recomendada, mas ela tem que se monitorar. Se houve piora horas ou um dia depois, ela tem que correr novamente para o serviço de saúde, não pode esperar melhorar, e essa é uma orientação natural dentro do processo de assistência à saúde. Por conta dessa demora no retorno à unidade, que nós entendemos, ela foi rapidamente transferida para o hospital, mas infelizmente foi a óbito. Por isso, fazemos o alerta: a dengue mata assim como as doenças que causam febres hemorrágicas. Devemos estar sempre atentos quanto aos sintomas. 

JM – Recentemente, o senhor esteve no Hospital de Clínicas e constatou a existência de leitos ociosos. E à medida que o senhor fez essa denúncia, o hospital reagiu, colocando que o município tem uma dívida com a instituição na faixa de R$7 milhões. Primeiro, como está essa situação dos leitos? E o que pode dizer em relação à dívida?

Iraci Neto – O município de Uberaba, por ser gestor pleno da Saúde, tem a competência e a responsabilidade de gerenciar os contratos assistenciais de todas as estruturas de saúde do município e que são contratualizadas, como é o caso do hospital federal público. Naquele momento recebemos informações de que estava ocorrendo um problema de retenção de macas do Samu e nós fomos averiguar. Lá, deparamos com várias situações, e quero dizer que a verdade vai prevalecer, porque os ministérios públicos Estadual e Federal vão aprofundar a avaliação. Foi feito um relatório fotográfico com a narrativa de toda a visita à estrutura. Tinha maca quebrada, mas também havia macas disponíveis, uma série de situações que fazem parte de uma gestão do próprio hospital. O município não tem que interferir no gerenciamento interno do hospital. Há gestores lá para isso, nós precisamos é fiscalizar e monitorar o que está contratualizado. Foi solicitado pelo próprio Ministério Público que nós fizéssemos todos esses registros e, a partir de agora, nós queremos um alinhamento e uma melhoria de todos os processos internos do hospital, mas ele é importante para a produção de serviço para Uberaba e região. Em relação a essa suposta dívida, não há nenhum recurso próprio do município nesse contrato. O município de Uberaba apenas recebe o repasse do Ministério da Saúde e alguns incentivos do Estado e gerencia, dentro de um contrato assistencial, as atividades do hospital. Em 2017 solicitei uma audiência com os dois ministérios públicos para dizer que o município não deve nada naquele convênio, porque o excesso de atendimento era de pacientes de fora de Uberaba. Como eu vou pagar com recurso municipal o excesso de atendimento de moradores de Conceição, Veríssimo e Patos de Minas? Não posso. Estou muito seguro disso. Nós podemos dar as mãos ao hospital para ir ao Ministério da Saúde cobrar essa suposta dívida, é um papel nosso como gestores, mas não podemos reconhecer essa dívida em virtude de todos esses critérios. Hoje, o contrato que temos com o Hospital de Clínicas – e que fiscalizamos – é que em torno de 69% do atendimento tem que ser de assistência ao município de Uberaba e os outros 31% seriam para cidades da região, mas o que acontece é o inverso. Uberaba está sendo prejudicada, porque estão sendo atendidos em torno de 40% de uberabenses e 60% de fora. Foi isso que fomos verificar e a necessidade de uma série de melhorias na qualidade da gestão, bem como na celeridade dos atendimentos às urgências e cirurgias eletivas. Ou seja, buscamos o equilíbrio para que o maior hospital da região e de Uberaba, com perfil de atender alta complexidade, funcione na sua plenitude.

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