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CLT permite redução do salário "por motivo de força maior", segundo especialista

Publicado em 31/03/2020 às 09:28Atualizado em 18/12/2022 às 05:20
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A Medida Provisória (MP) 927/2020, que dispõe sobre medidas trabalhistas em decorrência do novo coronavírus, deixa claro estar regulamentando condições emergenciais e transitórias nas relações de emprego durante uma situação de calamidade pública em decorrência de um motivo de força maior. No entanto, não trata da redução do salário, já possível em situação de força maior conforme artigos 501 e 503 da CLT. A observação é tratada em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo pelo advogado, professor, mestre em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e palestrante Decio Daidone Júnior

“Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.”

“Art. 503 - É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”.

Quanto ao artigo 503, o advogado pondera que, apesar de condicionar uma questão singular e incomparável que é a força maior, para alguns, traz uma redução na sistemática top down e conflita com o dispositivo da Constituição Federal (artigo 7º, inciso VI), que somente permite a redução salarial se ela for combinada a dois fatores: negociação coletiva e redução proporcional de jornada.

Soma-se a isso, a reforma na CLT ocorrida em novembro de 2017 (Lei 13.467), que traz um terceiro elemento para compor a viabilidade de redução salarial - a garantia provisória do emprego. Conforme parágrafo terceiro do artigo 611-A, a cláusula que pactua a redução do salário ou jornada deve prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.

Em tese, para reduzir o salário de forma conservadora, sem risco a ser contingenciado, a empresa precisa obedecer os três fatores. Se a conjugação ao mesmo tempo não for possível, o risco surge, mas, para o especialista, ainda assim é viável reduzir o salário com base somente no disposto pelo artigo 503 da CLT.

Ou seja, a empresa ponderaria, principalmente, a dificuldade em se negociar coletivamente durante este momento de confinamento e executar o ato soberano da assembleia.

Ainda que comporte um aumento no risco de intervenção do Estado, a alegação, posiciona Decio, se sustenta por estarmos enfrentando uma situação socioeconômica jamais condicionada na legislação, exceto pelo correspondente denominado “motivo de força maior” previsto no código civil (artigo 393), bem como no artigo 503 da CLT acima citado.

O mestre ainda lembra que o artigo 503 da CLT não conflita com a CF em razão exata de sua própria especificidade em regrar uma situação anormal como uma calamidade pública, enquanto o artigo 7º, inciso VI, da CF tratou de regrar os direitos sociais básicos para a convivência e bem estar social latu sensu.

Na análise de Decio, a manutenção do negócio empresarial deve ser avaliada ponderando a saúde financeira e sua subsistência dentro do cenário real e catastrófico em que a relação empregatícia está estabelecida. Uma condição sem precedentes, afetando a todos indistintamente, empregado e empregador, requer medidas radicais na mesma dose que ela se apresenta, de acordo com o mestre.

Para ele, a redução unilateral do salário com o objetivo de preservar o bem maior do trabalhador, permitindo que a empresa mantenha vivo o seu posto de trabalho, prescinde da interpretação conservadora e estagnada dos intérpretes jurídicos e exige um protagonismo disruptivo para utilizar a legislação na forma que melhor atende os anseios prementes da sociedade.

Nesse cenário, privilegiar o acordo individual, inclusive com a possibilidade de uma redução ainda maior para os empregados enquadrados no artigo 444 da CLT, denominados hipersuficientes, ou negociar um parcelamento para postergar o pagamento dos valores que estão sendo descontados, são medidas legais e, provavelmente, necessárias, considera o advogado.

“Dentro dos direitos fundamentais do cidadão está o seu emprego, que antecede o seu salário, além dos direitos sociais de manutenção do seu lazer, do seu trabalho para dignificá-lo, como preconiza o artigo 6º, da CF”, associa o professor.

E finaliza: “Reduzir o salário, portanto, aplicando a previsão expressa do artigo 503, da CLT, é utilizar-se da medida legal existente que se encaixa na realidade em que o país está passando, ainda que dolorida, preservando-se o negócio, que preserva o emprego, que preserva o salário, que preserva a sobrevivência, direitos inerentes ao empregado e empregador.”

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