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200 anos de lendas urbanas: a esquina da Praça Rui Barbosa

No início do século XX, uma tragédia assolou uma casa e fez com ela fosse demolida; depois disso ninguém nunca conseguiu construir nada no local

Raiane Duarte
Publicado em 03/03/2020 às 18:56Atualizado em 18/12/2022 às 04:37
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Fotos/Arquivo Pessoal/Raiane Duarte

Hoje, um estacionamento funciona no local em que, décadas atrás, existiu um casarão

Uma cidade é composta por ruas, praças, comércio, residências, igrejas, pessoas, memórias e outras particularidades. Algumas coisas se perdem no tempo e na história, principalmente o que existe apenas na sabedoria popular. As lendas urbanas são assim: “causos” de terror e assombração, surgem como um gato preto arisco, que aparece e some na escuridão, sem ninguém ver de onde veio ou para onde foi.

Uberaba é uma cidade bicentenária. Dentre as inúmeras curiosidades e características do munícipio, algumas se destacam, como o fato de ser considerada a terra do Zebu e a capital do agronegócio. Porém, algumas peculiaridades desaparecem como a fumaça que se dissipa e, é um pouco disso que a série “200 anos de lendas urbanas” irá reportar.

A reportagem separou seis lendas urbanas e “causos” uberabenses, alguns mais conhecidos, outros nem tanto – a esquina da Rui Barbosa, Casa do Artesão, Chácara do Mirante, Praça Frei Eugênio, Túmulo do Alfeu e Peirópolis.

Nada mais justo do que começar pelo coração da cidade, a Praça Rui Barbosa. Especificamente falando sobre a esquina da rua Olegário Maciel com a Santo Antônio, do lado esquerdo da Catedral Metropolitana. O lugar já foi um casarão que pertencia a uma família da alta sociedade. Hoje é apenas chão e abriga um estacionamento.

Dizem que nenhum estabelecimento sobrevive no local e que não se pode construir nada ali, pois não “vinga”. Porque, há quase um século, quando ainda existia ali uma mansão, uma tragédia assolou a família residente e matou parte dos membros. A tuberculose atingiu o lugar e, para que não se proliferasse ainda mais, a casa foi demolida como forma de “higienização”.

Depois disso, nada, além do estacionamento emergiu na esquina. Assim como todas as lendas, quem conta um conto sempre acrescenta um ponto e passados tantos anos, é difícil separar a verdade daquilo que foi fantasiado pelo imaginário popular.

A reportagem esteve no local e dois funcionários do estacionamento afirmaram não conhecer a história do casarão e nem os boatos. Mais abaixo, no ponto de taxistas da praça, a história também é pouco conhecida entre os motoristas. Um deles, Silvio Lazarini, que trabalha há 30 anos no local, afirma que não sabe nada dessa história, mas que seu pai, que também é motorista, pode conhecer.

O pai, Luiz Lazarini, acompanhou o crescimento de Uberaba e aos 79 anos se lembra de muitos acontecimentos. Para ele, o casarão da esquina existiu. “O que eu ouvi foi que morava uma família ali, que teve esse problema de saúde. Precisa falar o nome? É morfético que eles diziam na época. E eles foram falecendo e a casa ficou abandonada e depois demoliram ela. Eu já conheci ali sem a casa, só com o terreno”, explica Lazarini. O senhor atua há 20 anos como taxista da praça Rui Barbosa, mas desde criança trabalha na área central da cidade. Questionado sobre a esquina e se já houve outro edifico ali, ele nega. “Nada, nada, foi só mesmo estacionamento. Eu não sei, mas acho que deve ter uns 25, 30 anos já que é estacionamento, ou até mais”.

Em 2002, o jornalista André Azevedo reuniu material histórico sobre o local e escreveu uma reportagem sobre a “lenda”. No texto, ele explicou que em meados do século XIX, Capitão Manoel Prata mandou construir a casa na esquina da praça Rui Barbosa com a rua Santo Antônio. Há informação só sobre alguns dos membros da família. Lá foram morar a sua filha Anthonia Mathilde Prata, a Antoninha, e Wesceláu Pereira de Oliveira, o Vença, que na época era Agente Executivo, cargo que se assemelha ao do Prefeito hoje.

Eles tiveram nove filhos, uma delas, posteriormente casou-se com Arthur Machado, considerado um dos fundadores da cidade. Outro filho, João Eusébio Prata chegou a ser prefeito na década de 30. A filha Tonica casou-se com Zacarias Borges de Araújo, com quem teve dois filhos, Lauro e Borgico; eles moravam na casa vizinha, na rua Santo Antônio. Wesceláu e Antoninha também tiveram mais três filhas; Olivia, Bembem e Julia, essas não casaram e não tiveram filhos. O futuro não lhes reservou muita coisa.

A tuberculose atingiu essas três filhas, que morreram no casarão. Depois o drama migrou para a casa ao lado e consumiu os netos Lauro e Borgico. Porém, os irmãos Borges ainda tentaram se salvar indo morar na Suíça, pois na época acreditava-se que o ar montanhoso era capaz de curar. Ambos morreram na Europa com vinte e poucos anos, Lauro em 1913 e Borgico em 1914.

Tonica viu as irmãs e os filhos serem consumidos pela tuberculose e morreu em 1941. Ela decidiu vender a casa, mas ninguém quis comprar. Em outra versão dizem que outra família comprou e que também morreu no local. José Carlos Machado Borges, antigo morador da região central e sobrinho-neto de Tonica, crê que a casa tenha sido demolida ainda na década de 1910. Ele contou essa hipótese em 2002, quando foi entrevistado por Azevedo. No ano, o membro da família já tinha 91 anos.

A foto acima é uma das poucas que, supostamente, mostraria um pequeno pedaço (canto direito inferior) do casarão

Outro fato curios além de nenhum edifício ter sido levantado no local mesmo após cem anos a tragédia, é que não há fotos que mostrem totalmente o casarão. Todas as esquinas da Praça Rui Barbosa foram registradas em fotografias da época, menos essa em especial. Será que o lugar já estava amaldiçoado no começo do século XX? Predestinado a consumir quem morasse lá? Ou é apenas coincidência? Um desencontro de informações? Ninguém nunca saberá ao certo. 

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