SAÚDE E BEM-ESTAR

Memória tende a piorar com estresse e excesso de telas, dizem especialistas

Documentário sobre Maurício Kubrusly, diagnosticado com demência frontotemporal, acende debate sobre estratégias para preservar as lembranças

O Tempo/Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 09/12/2024 às 09:42Atualizado em 09/12/2024 às 10:21
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Memória tende a piorar com estresse e excesso de telas, dizem especialistas (Foto: Deagreez/ iStockphoto)

Memória tende a piorar com estresse e excesso de telas, dizem especialistas (Foto: Deagreez/ iStockphoto)

Na última quarta-feira, o documentário “Kubrusly: Mistério Sempre Há de Pintar por Aí” estreou na tela da Globoplay. Com direção de Caio Cavechini e Evelyn Kuriki, a produção foca a convivência do jornalista Maurício Kubrusly – que marcou a televisão brasileira com reportagens cheias de irreverência –, com a demência frontotemporal, doença degenerativa que afeta as regiões frontais do cérebro, causando alterações na personalidade, comportamento e linguagem, com a qual ele foi diagnosticado em 2019. 

Um dos efeitos que atingiram Kubrusly, embora não tão comum nesse tipo de caso, foi a perda de memória. Após a doença de Alzheimer, a demência frontotemporal é a segunda causa mais comum de demência em pessoas com menos de 65 anos. Atualmente, Kubrusly está com 79 anos de idade.

Aos 78 anos, o funcionário público Humberto Victor investe na leitura e em jogos de palavras-cruzadas para exercitar a memória, que, segundo ele, já não é mais a mesma. “Algumas coisas passam despercebidas, a gente vai resolver um problema, e, no meio do caminho, esquece. Isso acontece várias vezes comigo”, conta Humberto. 

Curto e longo prazo 

Já o taxista Joaquim Figueiredo, de 65 anos, gaba-se de possuir uma “excelente memória”. “É melhor do que GPS!”, brinca ele, que afirma conhecer “rua por rua de Belo Horizonte” graças aos ofícios que exerceu. Antes de trabalhar com táxi, ele era caminhoneiro. Bem mais nova, a operadora de caixa Giovanna Pereira, de 21 anos, atribui a boa memória aos jogos de memória e quebra-cabeças com os quais brincava na infância. “Além de se esforçar, é ter o foco direcionado para algo. Focar em cada detalhe quando a pessoa está explicando, sou muito detalhista”, diz Giovanna, hábil em “guardar informações, fisionomias e nomes”. 

Por outro lado, o entregador de aplicativo Wanderson Silva, de 42 anos, confessa que nunca teve uma boa memória. “Crio várias rotinas e tenho várias agendas para anotar. Costumo esquecer coisas básicas como trancar a porta. Sempre foi assim, até melhorei, mas minha memória ainda é ruim”, admite.

Doutora em neurociência pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Elisa de Paula França Resende explica as diferenças entre as chamadas memórias de curto e longo prazo. “A memória de curto prazo fica armazenada em nosso cérebro por pouco tempo, e está muito relacionada à atenção. Ela fica localizada no hipocampo. Já a memória de longo prazo, também conhecida como autobiográfica, fica mais difusa no cérebro e é muito difícil ser perdida, justamente porque fica em diferentes regiões que podemos evocar”, esclarece. 

Lembranças

Datas de casamento e de nascimento dos filhos são associadas a essa memória de longo prazo, responsável por “conhecimentos gerais sobre a nossa vida”. Ao contrário da memória de curto prazo, ela não tem muita relação com a atenção e se perpetua, sobretudo, em razão das emoções que desperta no momento do acontecimento, o que a permite ficar guardada “por muito tempo, até 80 anos”, informa Elisa. “São aquelas memórias de infância que às vezes a pessoa tem”, complementa a neurocientista. 

Ela salienta que, no caso de Maurício Kubrusly, a demência frontotemporal tende a acometer as regiões frontais do cérebro, “e a memória se localiza nas regiões temporais”, pontua. De acordo com a especialista, o que acontece nessa doença é “uma alteração comportamental”. “Claro que, com o tempo, os pacientes acabam desenvolvendo problemas de memória, e alguns já os apresentam desde o início da doença, mas não é algo tão típico como no Alzheimer”, diferencia Elisa. 

Estratégias 

Apesar de todas as dificuldades impostas por diagnósticos que podem afetar a memória, como a demência frontotemporal e o Alzheimer, a neurocientista garante que há mecanismos para tentar evitar ou mesmo retardar os efeitos das enfermidades. “É muito importante, em qualquer tipo de demência, que o paciente seja estimulado a realizar atividades que mantenham a sua autonomia”, orienta, destacando “atividades prazerosas, o uso de agendas e calendários, a reabilitação com terapia ocupacional e mesmo a velha palavra-cruzada pode ajudar”, sugere Elisa. 

Ela observa que, no caso de Kubrusly, a intensa atividade jornalística ao longo da vida pode ter contribuído para uma “reserva cognitiva” que preservou funções essenciais para o seu bem-estar no dia a dia. “Quanto mais a gente é ativo durante a vida, do ponto de vista cerebral, quanto mais a gente trabalha e é desafiado cognitivamente, se envolvendo em atividades diferentes do que estamos acostumados, seja aprendendo um instrumento ou novos idiomas, mais protegemos nosso cérebro contra essas doenças degenerativas”, informa a entrevistada. 

Fatores de risco

A neurocientista Elisa de Paula França Resende alerta para comportamentos, que, segundo ela, “atrapalham bastante a consolidação da memória”. “A pessoa em situação de estresse libera hormônios como cortisol e adrenalina, que, ao afetarem a atenção, prejudicam a formação de memórias”, sustenta. Para mitigar esses efeitos nocivos, a especialista  elenca métodos eficientes como “meditação, exercício físico e alimentação saudável”. 

Outro ponto de atenção é o excesso de telas no mundo contemporâneo. Elisa destaca a relação entre sono e memória e como essa vida hiperconectada tem contribuído negativamente nesse sentido. “É durante o sono que a gente limpa o cérebro das proteínas que causam o Alzheimer. E as telas deixam o sono diminuído e entrecortado”, salienta ela, que ainda ressalta o perigo da “atenção dividida”. “Se a gente não está prestando a atenção no que acontece ao nosso redor, isso obviamente vai atrapalhar o processo de memorização dos acontecimentos”, afiança a especialista.

Nessa toada, a perspectiva para o futuro não é muito promissora. “A gente está vendo os efeitos atuais do uso excessivo de telas por adultos, crianças e idosos, mas, a longo prazo, pode ser até pior, porque estamos confiando tudo ao celular e aos aplicativos eletrônicos, o que nos deixa com menos estratégias de memorização e aumenta o estresse como um todo”, arremata Elisa. 

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