Incêndio na boate Kiss aconteceu no dia 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, Rio Grande do Sul | Fot Reprodução
O júri que condenou os quatro réus do caso da boate Kiss foi anulado pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). A anulação aconteceu nesta quarta-feira (3), após parte dos recursos da defesa serem acolhidos.
O placar final do julgamento foi de dois votos a um para que a anulação fosse reconhecida. De um lado o relator, desembargador Manuel José Martinez Lucas, afastou as teses das defesas, enquanto os desembargadores José Conrado Kurtz de Souza e Jayme Weingartner Neto reconheceram alguns dos argumentos dos réus.
Segundo especialistas, as nulidades do processo do caso da boate Kiss alegadas pela defesa, se referem a questões atreladas ao andamento e a procedimentos formais que carecem de ser respeitados enquanto há julgamento e não dizem respeito, necessariamente, ao mérito do processo.
"O que aconteceu nesta quarta é a continuidade do julgamento. Houve o júri, que foi a primeira fase, e agora foram analisados os recursos da defesa, que configuram uma continuidade do julgamento, e não uma reversão. Em hipótese alguma os réus poderiam ser absolvidos nesta etapa, pois prevalece a soberania do veredito dos sete jurados. Poderiam acontecer três coisas: a manutenção da sentença inalterada, a redução das penas ou a anulação por força de algum vício processual. Houve um entendimento pela terceira hipótese", explica Mauro Sturmer, professor da Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma).
O presidente da sessão e relator dos recursos, desembargador Manuel José Martinez Lucas, informou que os advogados de defesa apresentaram 19 pedidos de nulidade. Todos os pedidos foram considerados pelo relator, mas acabou perdendo devido aos votos dos outros dois desembargadores, José Conrado Kurtz de Souza e Jayme Weingartner Neto, que reconheceram alguns dos argumentos dos réus.
Entre os principais apontamentos da defesa que foram levados em conta pelos desembargadores estão fatos com A escolha dos jurados ter sido feita depois de três sorteios, quando o rito estipula apenas um; O juiz Orlando Faccini Neto ter conversado em particular com os jurados, sem a presença de representantes do Ministério Público ou dos advogados de defesa; O magistrado ter questionado os jurados sobre questões ausentes do processo; O silêncio dos réus, uma garantia constitucional, ter sido citado como argumento aos jurados pelo assistente de acusação; O uso de uma maquete 3D da Boate Kiss, anexada aos autos sem prazo suficiente para que as defesas a analisassem.
Os especialistas ressaltam que só é possível realizar uma análise profunda da decisão tomada, após a publicação do acórdão contendo a íntegra dos votos de cada um dos desembargadores. Entretanto, manifestações durante o julgamento dos recursos mostram que as pontuações acima foram analisadas.
Dentre os termos ditos pelos desembargadores que votaram a favor da anulação estava a "quebra da paridade de armas". O advogado e professor de Direito Márcio de Souza Bernardes, da Universidade Franciscana de Santa Maria, explica que em casos em que há Tribunal de Júri, é garantida a plenitude de defesa, conceito mais abrangente do que a ampla defesa, garantida em outros tipos de processos.
"Significa que o réu pode utilizar de todos os argumentos e instrumentos da lei para se defender. E um desses instrumentos é ser julgado por seus pares, pessoas leigas, que devem fazê-lo de forma livre, sem qualquer indução", explica Bernardes.
Nesse sentido, fatos como uma conversa entre o juiz Orlando Faccini Neto e os jurados, além de uma menção do assistente de acusação ao silêncio dos réus - algo garantido por lei, que não pode ser citado durante a argumentação aos jurados como fator depreciativo do réu - foram pontos levados em consideração.
Felipe de Oliveira, advogado e professor de processo penal da Escola de Direito da PUCRS, explica também que o Código de Processo Penal (CPP) prevê que o tribunal do júri deve ser composto por 25 pessoas, grupo do qual são sorteadas sete pessoas, que serão os jurados. Cada parte tem direito a rejeitar três jurados sem justificativa e a apontar impedimentos - como relação com alguma vítima ou algum acusado, interesse no processo ou manifestação prévia sobre o fato julgado.
No julgamento do Caso Kiss, foram chamadas mais do que as 25 pessoas previstas e foram realizados três sorteios para a formação do grupo de jurados, o que não está previsto no CCP. O último desses sorteios aconteceu cinco dias antes da sessão do julgamento, quando a previsão legal é de que ocorra entre 15 e 10 dias úteis antes da sessão.