Dada à raridade da doença, poucos especialistas a conhecem a ponto de suspeitar durante a apresentação do quadro clínico (Foto/Divulgação)
Vivendo uma das piores dores que uma mãe pode sentir, a médica pediatra Isabela Vasconcelos transformou o luto em estudo. Ela se despediu de sua segunda filha, Betina, em poucos dias devido a complicações de uma doença pouco difundida no Brasil, a GALD: Doença Hepática Aloimune Gestacional.
Dada à raridade da doença, poucos especialistas a conhecem a ponto de suspeitar durante a apresentação do quadro clínico. Isabela conta, ainda, que essas condições clínicas são muito heterogêneas, ou seja, nem todo paciente se comporta da mesma forma. "A GALD ocorre por um mecanismo auto imune em que anticorpos da mãe “atacam” o fígado do feto. Dessa maneira a criança já nasce com insuficiência hepática. Infelizmente, ainda não há como diagnosticar no pré-natal, e muitos casos são diagnosticados em autópsias", conta a pediatra.
A descoberta da condição de Betina veio após uma consulta com uma professora que teve durante a residência em Pediatria, Thaís Queiroz. O diagnóstico veio em vida e o tratamento foi iniciado. "A gente não conseguiu confirmar o diagnóstico porque para essa confirmação precisava ou de uma biópsia de mucosa oral ou da ressonância, que é bastante demorada, ia durar seis horas, e a Betina não estava bem clinicamente para ser submetida a nenhuma dessas duas coisas. O fígado dela não funcionava e, por isso, não conseguia coagular o sangue. Por isso não podia fazer a biópsia, senão ia ficar sangrando. Sobre a ressonância, ela não tinha estabilidade clínica para fazer. Então o diagnóstico acabou sendo feito baseado em dados clínicos e outras alterações de exames laboratoriais", conta a pediatra, reforçando que os testes genéticos também foram conduzidos, o que descartava qualquer alteração neste sentido.
Na GALD, o corpo da mãe "combate" o feto durante a gestação. "Os anticorpos da mãe combatem os hepatócitos, que são as células do fígado. Enquanto estão dentro do ventre materno, ainda durante sua formação. Assim, o fígado não fica funcional e a criança nasce com uma insuficiência hepática ou uma cirrose", explica Isabela.
Contudo, o que leva a mãe a "combater" o filho gerado dessa forma ainda é desconhecido pela literatura médica. "Ainda não há dados na literatura, nem suspeitas", pontua.
E é uma luta contra o tempo. "O tempo é fundamental. A morte das células do fígado vai acontecendo o tempo todo que o bebê está na barriga. A partir do momento em que a criança nasce, ela continua acontecendo até que seja possível 'lavar' os anticorpos do sangue do bebê", explica Isabela, pontuando que um procedimento que 'troca' o sangue do bebê.
Por isso, o primeiro sinal de suspeita é a alteração nos parâmetros do fígado. "Com uma criança com quadro de insuficiência hepática precisa vir à cabeça a GALD. A gente tem outras causas, infecções, mas não se pode deixar de pensar em GALD", alerta Isabela.
A gravidez de Betina não levantava suspeitas em Isabela até por volta do sétimo mês. "Betina começou a não ganhar peso conforme o esperado. Começou então a restrição de crescimento. Sem nenhuma causa aparente", conta ela. Talvez por ser médica pediatra, o medo aumentava em Isabela e ficou ainda maior quando foi detectado o fim do líquido amniótico.
Betina nasceu prematura e desde o primeiro choro foi para a unidade de terapia intensiva, com baixas plaquetas desde o primeiro exame. Após muitas intervenções (e também muita oração), a pequena guerreira voltou para o Céu. De lá, certamente ajudará mamãe, papai e a irmã, Antonella, a seguirem em frente. Sua história inspira por onde é contada e virou até mesmo instituto, para ajudar outros bebês a terem histórias com final mais feliz do que o seu.
O amor que une mãe e filho é inexplicável. E é lá do Céu que vem a inspiração para uma mãe ressignificar a dor e transformar em conhecimento.
Leia mais:Até logo, Betina!