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Zote e o vendedor de automóveis

Estimado leitor, não há um só morador da cidade que não conheça, ainda que por alto, uma história do lendário Zote. Vou relembrar uma que envolve duas das características

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 04/10/2009 às 15:55Atualizado em 20/12/2022 às 10:17
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Estimado leitor, não há um só morador da cidade que não conheça, ainda que por alto, uma história do lendário Zote. Vou relembrar uma que envolve duas das características mais associadas à sua emblemática figura: o modo frugal com que se vestia e o tratamento pouco cuidadoso dispensado aos seus automóveis.

Depois de tanto usar um de seus vários carros, Zote dirigiu-se a uma famosa concessionária da cidade a fim de adquirir um veículo novo. Segundo dizem, os velhos rodavam até serem abandonados num grande cemitério de automóveis (dizem que o tal lugar ficava próximo ao posto de gasolina, que até hoje é conhecido pelo seu nome).

Chegando à loja de carros, foi atendido por um vendedor, que, primeiro, assustou-se com sua aparência tão desleixada e, segundo, julgou-o, obviamente, incapaz de comprar um bem tão caro. Como a remuneração de quem trabalha com vendas varia de acordo com o volume de negócios que se consegue efetuar, o vendedor, pensa estar perdendo tempo com um cliente do tipo “peroba”, e faz de tudo para livrar-se desse incômodo.

Zote, indignado com a postura do atendente, foi até um banco mais próximo (dizem que ele tinha conta em todos), sacou um montante de dinheiro – o suficiente para comprar dois carros à vista – e retornou à concessionária soltando fogo pelas ventas. Como era de se esperar, o vendedor dispensou a ele o mesmo atendimento de antes, novamente desacreditando que uma pessoa como aquela não poderia nunca comprar um carro zero km.

A história tem um final apoteótic Zote, triunfante, mostrou ao vendedor as duas sacolas cheias de dinheiro, com os maços de notas todos arrumadinhos. Sem acreditar no que vê, o arrependido vendedor tenta contornar a situação, mas já é tarde demais e, Zote, deixando-o para trás, procura outro atendente para fechar o negócio.

Histórias como essas constituem elementos primordiais para o nosso necessário processo de identificação e, por isso, conferem significado ao nosso existir coletivo. Oriundas, sobretudo, da oralidade e da imaginação dos homens, essas histórias são passadas de gerações a gerações, e contá-las produz uma catarse coletiva. Sem elas, seríamos vazios e sem vida, desprovidos de conteúdos simbólicos; sem elas, não conseguiríamos transitar da memória individual para memória coletiva.

O mesmo se dá com os personagens que povoam essas histórias. São eles constitutivos de elementos comuns a todos nós. Os conteúdos da nossa consciência encontram neles a materialização de todos os nossos desejos e vontades. Quando eles falam, todos nós falamos; quando eles agem, todos nós agimos. São personagens que, mais do que existirem de verdade, existem no nosso imaginário com uma força tão grande que funcionam como aquilo que Carl Gustav Jung, brilhante psicanalista, denominou de Arquétipos – figuras míticas que retratam elementos presentes em todas as épocas e em todos os lugares.

Essas narrativas, por enaltecerem sempre a figura dos seus protagonistas, são consideradas sempre verdadeiras, por mais exageradas que sejam. E a garantia dessa veracidade está centrada na figura daquele que conta. É a figura do narrador que garante que tudo o que é narrado é absoluta verdade. Mesmo que não tenha presenciado os fatos, ficou sabendo por intermédio de alguém que os presenciou. Logo, não se duvida de quem narra nem daquilo que é narrado.

(*) soutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM

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