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Zé Coquinho e Evódio

Zé Coquinho era um exímio jogador de sinuca, para ele não havia bola perdida. Quando o adversário jogava estourando as bolas e elas caíam

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 23/02/2010 às 01:09Atualizado em 20/12/2022 às 07:58
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Zé Coquinho era um exímio jogador de sinuca, para ele não havia bola perdida. Quando o adversário jogava estourando as bolas e elas caíam, enfiava um pedaço de papel higiênico no taco em gesto provocativo. Dizia que bola bem matada é aquela que se canta a caçapa antes de atirar na bola com o taco. Seus sábados eram ao redor de uma mesa de sinuca, desafiando os adversários, em meio aos goles de Jurubeba e cerveja. Bebia tanto que, ao final da tarde, se jogava com um olho só, cambaleando ao redor da mesa. E pior, ficava ainda mais desaforado, resmungava um “nooossa” irritante a cada bola que caía.  Numa manhã de sábado, ao subir a rua Conde Prados, passou por um grupo de pedreiros que assentavam uma grade e os convidou para uma partida de sinuca, no bar da esquina da rua Castro Alves. De pronto, eles agradeceram, porque precisavam assentar a grade, que iria substituir o muro da frente da casa.   Entretanto, Evódio e Zé Coquinho encontraram-se no bar e foram logo pedindo Jurubeba e cerveja. Compraram as fichas e pediram uma poção de torresmo. Naquele dia, Zé Coquinho estava inspirado; lubrificou o seu taco com o giz, apontou a ponta com anil, assim tornando a mira ainda mais certeira. Evódio e Zé Coquinho eram companheiros de farra e frequentavam os mesmos ambientes. De madrugada, esbarravam-se no Vira Copos e bebiam caldo de mocotó, na rua José de Alencar. Beliscavam polenta com frango, na rua João Pinheiro, e, às vezes, comiam cachorro-quente, na avenida Leopoldino de Oliveira. No entanto, gostavam mesmo era da galinhada do Bar do Dica. Eram companheiros de colégio no Boulanger Pucci, nos arredores da Praça Santa Terezinha, e, nas madrugadas vagas, ensaiavam algumas peças no TEU, na rua Governador Valadares, e mais tarde na rua João Pinheiro. Com toda a amizade, Zé Coquinho não poupava Evódio no jogo. Tirava sarro, chamando-o de meu pato. Num amanhecer de sábado, retornaram anestesiados às suas casas, apoiando-se um no outro e ambos em paredes chapiscadas e postes, descendo a rua Conde Prados. Quando passaram pela grade recém-assentada, os seus braços vazaram entre elas, levando-os ao desequilíbrio total. Agarraram-na e se agarraram e, com o peso, ela arriou, jogando-os ao chão com tudo. Evódio despencou sobre Zé Coquinho, que, grudado o Evódio, esborrachou-se ao chão, e a lentidão da queda da grade os fez sentir em queda livre, sem recursos de apoio.   O barulho da queda foi seco e oco. Em segundos a rua e o passeio estavam repletos de pessoas e uma gritaria tomou conta dos donos da casa. Evódio abriu os olhos, enquanto Zé Coquinho mantinha-se imexível. De repente, alguém sugeriu chamar a polícia. De um pulo, estavam novamente de pé e, em língua enrolada, acertaram o conserto da grade para o domingo. Não criaram tipo. Todavia, no outro dia, lá estavam, tentando assentar a grade sob sol escaldante, para aflição dos proprietários.

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