Estimado leitor, você ama a cidade? Esse é o tipo de pergunta que não se deve responder rápido. Aliás, as melhores perguntas que nos fazemos não são para ser respondidas. Perguntas assim servem para nos confrontarmos com duras realidades. A dura realidade em questão é: não amamos a cidade. Pelo menos não como deveríamos.
Cidade é aqui tomada como expressão máxima daquilo que é público, aquilo que não é nem de um nem de outro, mas sim aquilo que pertence a todos, ou seja, uma comunidade de iguais. E a cidade, por pertencer a todos, exige daqueles que nela moram um comportamento orientado por interesses coletivos e não por interesses privados.
Aristóteles, filósofo grego que viveu no século IV a.C., dizia que quanto mais respeitássemos as leis e os limites impostos pela cidade, mais nos humanizaríamos. Na medida em que o homem conseguia viver na cidade, com todas as suas restrições legais, ele se aproximava da vida reta e justa e tornava-se humano por excelência. A cidade e a vida coletiva, portanto, nos tornam cada vez melhores por nos fazer colocar as coisas públicas em primeiro lugar.
Daí decorre que qualquer discussão em torno de resgatar sentimentos de cidadania tem, como premissa fundamental, o conceito de coisa pública (ou de república), já que a cidadania é a prática decorrente daqueles que moram na cidade e tem dela absoluta consciência.
Entrementes, o que estamos vendo acontecer hoje, diante de um mundo e pessoas cada vez mais egoístas, é a morte do espaço público, pois a noção de vida privada triunfou sobre qualquer conceito embasado na coletividade. É por isso que, onde quer que vamos, vemos as pessoas, sem a menor crise de consciência, deixar sobrepujar, sobre os interesses de todos, suas vontades particulares.
Não se trata simplesmente de desmerecer, por completo, os espaços e as instituições públicas. É muito pior do que iss usamos os espaços públicos apenas como instrumento para satisfazer nossos desejos individuais. Dessa forma, podemos explicar, por exemplo, os diversos casos de corrupção que a todo instante vemos noticiados.
Ela se propaga porque os espaços públicos viraram terra de ninguém. Não estamos lá para defendê-los. Estamos, ao contrário, ocupados demais com nós mesmos e relegamos as instituições públicas ao completo abandono. Por isso, quem chega, toma conta, instala-se e passa a usufruir de seus benefícios como bem lhe aprouver. Cria as normas, decide as regras do jogo e, pronto, apropria-se do que é de todos para sempre.
Existem vários exemplos: há quantas décadas a família Sarney decide os destinos do Maranhão? Há quantas décadas a família Magalhães decide os destinos da Bahia (há outras famílias que há décadas decidem os destinos de outros tantos lugares por esse Brasil a fora). Mas a pergunta necessária é: o Maranhão e a Bahia podem ser propriedades particulares de quem quer que seja?
Não se quer dizer aqui que o indivíduo não pode ter seus espaços privados preservados. Não estamos defendendo nenhum tipo de supressão da vida particular. O que se quer pôr em relevo é a nossa enorme dificuldade em praticar a boa convivência, pois dela depende a compreensão da dimensão pública. Em outras palavras: ou aprendemos a amar a cidade ou vamos, de maneira irremediável, assistir à acachapante vitória do eu sobre o nós.
(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira e da Facthus