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Uma visitinha ao passado

Nestes tempos carnavalescos, faço uma visitinha ao passado e rememoro o Carnaval de minha infância

Mário Salvador
Publicado em 01/03/2011 às 19:51Atualizado em 20/12/2022 às 01:25
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Nestes tempos carnavalescos, faço uma visitinha ao passado e rememoro o Carnaval de minha infância. No primeiro quarteirão da rua Artur Machado, hoje o Calçadão, ficava a sede da Associação Esportiva e Cultural, onde eram realizados os bailes.

Havia, naquela época, o corso, desfile de carros enfeitados, com foliões fantasiados. Confetes e serpentinas eram lançados em profusão, e era permitido o lança-perfume em vidros e em embalagem de alumínio. Muito mais tarde viriam as bisnagas de água e as máscaras de papel.

O Carnaval era ótimo, mas era uma festa que tinha data para acabar. E nós, crianças, tínhamos sede de brincadeiras o ano todo. Então, em minha visita ao passado, lembro-me de ir até a rua Alexandre Barbosa, ainda sem calçamento, no bairro Mercês. Ali, à noitinha, as crianças se encontravam para bater uma bolinha, sem medo de um atropelamento, que os carros eram muito poucos na cidade.

Não raras vezes, acontecia de se juntarem meninos e meninas e as brincadeiras de roda aconteciam, com as inúmeras cantigas, que vararam os tempos, entoadas aqui e ali com suas variantes.

Éramos sempre muitas crianças e aquelas que não conheciam as músicas logo as aprendiam, pois as brincadeiras eram reiteradas à exaustão. A canção que mais se fazia ouvir era, sem dúvida, Ciranda, Cirandinha. Letra curta, ritmo convidativo, música animada. Meninos e meninas, de mãos dadas, iam cantando e fazendo a roda girar.

Hoje as crianças ouvem e cantam longas músicas nacionais e estrangeiras, muitas vezes conhecendo bem a letra, seu significado e a pronúncia correta de cada fonema, mas naquela época, não nos ocorria nem ao menos perguntarmos o significado de ciranda ou cirandar.

O curioso é que ciranda era justamente o que fazíamos, pois esse é o nome dessa dança e cantiga popular, mas pode ser também uma peneira grossa, para separar grãos, joeirar grãos, areia... E cirandar é dar voltas, andar de um lado para outro, dançar a ciranda, e ainda limpar com a ciranda, joeirar. Ao fazermos a roda de crianças girar, estávamos, portanto, cirandando no embalo dessa folclórica música metalinguística...

E a roda girava e as cantigas eram entoadas: “Terezinha de Jesus, de uma queda, foi ao chão....”, “O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada...”, “Senhora dona Sancha, coberta de ouro e prata...”, “Carneirinho, carneirão-neirão-neirão...” E os meninos gostavam de “A rosinha é linda, é linda rosinha...”, pois sempre sobrava um abraço. Era o máximo.

Cantava-se, também, o Atirei o pau no gato, que hoje, como outras tantas músicas, ganhou versão politicamente correta (e repudiada por certos críticos desse movimento musical que ignora o valor do folclore).

Na verdade, o repertório de cantigas, aparentemente infinito, era de uma alegria até inocente. Provavelmente não foi por causa da música que alguma criança atirou o pau no gato para ouvir o berro que o gato daria. Isso seria até uma façanha da parte do gato, porque é do meu conhecimento que a voz do gato é o miado, não, o berro.

Agora, já crescidos, voltamos a nos lembrar da Ciranda, cirandinha, do anel falso, de vidro, e do pouco amor, que se foi. Imagino que o autor ou a autora da letra de Ciranda, cirandinha pode ter sido inspirado ou inspirada por momentos bem angustiantes.

Entretanto, em nossa ingenuidade, cantar as músicas sem prestarmos atenção à letra era muito, mas muito melhor do que ficar buscando o significado real das coisas. O valor de tudo era o lúdico, o ritmo, a alegria do encontro, que, no final das contas, era também a essência do Carnaval.

A vida precisa continuar, então volto de minhas reflexões e dessa viagem ao passado. Pois, como todos já sabemos, nem tudo é Carnaval...

(*) membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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