É mais comum do que se pensa, aliás, é o costumeiro, o fato de as pessoas confundirem o seu gosto, mau-gosto ou falta de gosto com a verdade.
Na arte, então, isso é o que normalmente ocorre. A análise e a crítica artísticas só são válidas quando preenchem os requisitos de objetividade e imparcialidade, que derrogam o subjetivismo que norteia e determina os julgamentos falsos e/ou equivocados.
Além disso, como ensina Ezra Pound, o critério de julgamento das obras artísticas é a comparação, visto não existir tabela prévia de exigências e normatividades.
O jornalista Rui Castro, que já escrevera extenso artigo (O Estado de S. Paulo, 09 fevereiro de 1997) sobre o filme Boca de Ouro, no texto “Vidas Secas e/ou Boca de Ouro” (Folha de S. Paulo, 27 de abril de 2018), afirma que “Boca de Ouro continua a ser o melhor filme baseado em Nélson Rodrigues e, quem diria, ficou melhor do que Vidas Secas e quase todo o Cinema Novo”.
Não é certo isso. Pelo contrário. No caso, Rui Castro comete o mesmo equívoco de Antônio Cândido ao preferir o romance Os Bem-Casados (1953, edição póstuma) a Vida Ociosa (1920), ambos de Godofredo Rangel (1884-1951), sobrepondo a dramaticidade naturalística do primeiro à sutileza e refinamento formais e essencialidade temática do segundo, conforme observamos no artigo “Os Bem-Casados: Drama Vulgar”, de Romances Brasileiros - Uma Leitura
Direcionada (Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 1998).
Não se nega, em Boca de Ouro, a competência e atilada direção de Nélson Pereira dos Santos, conforme exposto no artigo sobre esse filme em Seis Cineastas Brasileiros (Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2012), onde se aduz, por sinal, que “é obra de produção antes que de criação”.
Mas não procede considerá-lo superior à obra-prima (literária e cinematográfica) Vidas Secas.
E, ainda, dizer que Boca de Ouro é melhor do que “quase todo o Cinema Novo” é sobrepor a estruturação de trama construída sobre a superfície e aparência das relações humanas, naturalísticamente concebidas e executadas, carregando nas tintas da dramatização, ao apuro formal (arte é forma) e ao privilegiamento da essencialidade da natureza e das relações humanas.
Basta verificar no capítulo sobre o Cinema Novo em Cem Anos de Cinema Brasileiro (Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 1997), além das considerações atinentes à sua natureza, características, tendências e repercussão, a lista de seus principais filmes para se aquilatar a importância, valor e significado desse movimento, antecipado e precedido por Rio, 40 Graus (1955), do mesmo Nélson Pereira dos Santos. Sempre ele.
Guido Bilharinho
Advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, estudos brasileiros, história do Brasil e regional