Um dos meus irmãos, engenheiro José Augusto Hueb, mora em Genebra há longos anos. É consultor da Organização Mundial da Saúde
Um dos meus irmãos, engenheiro José Augusto Hueb, mora em Genebra há longos anos. É consultor da Organização Mundial da Saúde na área de água e saneamento e, como tal, viaja para qualquer lugar do mundo, levando tecnologia em sua área de atuação. Está no Laos, a convite da OMS e do Governo nacional, para estabelecer um processo de monitoramento, avaliação e planejamento do setor de água e saneamento em nível nacional, desde o dia 24 de maio, lá permanecendo até o dia 8 de julho.
Enviou aos irmãos relato tão interessante que me apresso em dividi-lo com os leitores:
“Luang Prabang é uma pequena cidade do Laos, tombada pelo patrimônio universal da humanidade pela alta religiosidade e grande número de templos budistas.
Tendo ficado interessado em conhecer mais sobre a vida nos monastérios, fiquei sabendo, entre outras coisas, que os monges são vistos como figuras de alto nível na escala budista de desenvolvimento espiritual e, como tais, são muito reverenciados pelo pessoal local. Por exemplo, os visitantes de outros países são instruídos para nem mesmo tocar nas vestes dos monges, já que isso contraria, de forma severa, a cultura e religiosidade locais (evitam ser contaminados por pessoas impuras). Pelo jeito, isso é um problema comum já que existem avisos em vários locais (hotéis, por exemplo) da cidade nesse sentido.
Fiquei sabendo, também, que os monges vivem uma vida extremamente simples, desprovida de vaidade e de apego às coisas terrenas como a fome, a sede, a paixão (os monges não se casam). Alimentam-se uma única vez ao dia. Alimentos são doados por pessoas comuns, quotidianamente. O enfoque é diferente daquele de outras religiões. Ao invés de pedir contribuições, os monges budistas permitem que os doadores contribuam para a sua alimentação diária.
O que achei realmente extraordinário foi a forma pela qual essas doações se fazem. Todos os dias, durante a madrugada, os monges de todos os monastérios descem às ruas de forma ordenada (em fila) e recebem as doações de pessoas geralmente muito humildes. Existe um fervor e uma humildade nessas doações tanto daquele que doa, como daquele que recebe, que verdadeiramente emociona. Constatei isso pessoalmente. Deixei o meu hotel às 5 da manhã e fiquei à espreita. Às 5h30, vi uma movimentação dos dois lados da rua. Túnicas vermelhas a distância nos dois extremos da rua. De repente, notei uma senhora, que nem sei se come uma vez por dia, com uma panela cheia de arroz cozido perto de mim. Ela cruzou a rua, tirou os chinelinhos e se ajoelhou no lado oposto àquele em que eu estava. Foi então que percebi que uma coluna de monges se aproximava a distância.
Havia uma outra coluna no outro extremo da rua, mas essa última se enveredou por outro caminho. E então vi que a primeira coluna tinha se aproximado, cada monge fazia uma ligeira parada, estendia o seu recipiente e, nele, ela colocava uma bola de arroz. Uma cena de despojamento, de humildade, quase incompreensíveis.”
Como meu irmão, fiquei pensando no desapego de tantos quantos concluem que aqui realmente é passagem para a vida que vem após esta vida; que há valores, tanto pessoais como coletivos, que não podem ser desprezados. Fiquei pensando, mais, que – quantas vezes! – olhamos apenas para dentro de nós mesmos, envolvidos na visão egocêntrica, ignorando os que estão à nossa volta.
(*) educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro[email protected]