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Um certo Sr. Witter

Estimado leitor, hoje vou falar sobre um protagonista anônimo da história. No final dos anos 90, fui convidado para ministrar uma série de cursos para os professores do Cefet de Bambuí

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 26/07/2009 às 15:35Atualizado em 16/12/2022 às 07:45
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Estimado leitor, hoje vou falar sobre um protagonista anônimo da história. No final dos anos 90, fui convidado para ministrar uma série de cursos para os professores do Cefet de Bambuí (MG), e, dentre meus alunos havia um certo Sr. Witter.

Ele era um dos professores mais queridos da instituição, pois, além de um enorme conhecimento acadêmico, possuía um carisma gigantesco. Uma dessas pessoas cuja presença é impossível ignorar. Um prodigioso raciocínio e uma educação ímpar completavam sua personalidade.

No início da minha aula (iria discorrer sobre relações humanas na escola, em particular dentro da sala de aula), pedi para que todos se apresentassem. Quando chegou a vez de Witter, solicitei que ele nos explicasse a origem de um nome tão raro.

A história é mais ou menos assim: sua mãe era, simplesmente, apaixonada por esse nome. Dizia ela que seu sonho era ter um filho e batizá-lo com essa alcunha, não importando o quão excêntrica fosse. E ao que, eventualmente, as pessoas viessem a dizer, azar, não daria a menor bola. A obsessão era tanta que, nas rodas de amigas, em conversas de fim de tarde, sentadas em tamboretes pelas calçadas, dizia com ênfase singular: hei de ter um filho de nome Witter. Casou-se e tratou de ficar grávida logo.

Antes de prosseguirmos, uma reflexã no país de maior concentração de católicos no mundo é desnecessário falar da importância da igreja e de seus representantes para os que nela acreditam. Em Bambuí, não era diferente, e, antes de registrar a criança, sua mãe foi ter uma conversa com o vigário da cidade para saber da sua opinião.

Este, ao ouvir o nome que a mãe pretendia dar ao filho, tentou dissuadi-la de todas as formas. O motivo era simples: nascido durante a Segunda Guerra Mundial, o nome de Witter lembrava muito o do “terrível” líder nazista Adolf Hitler e, para que a criança não viesse a desenvolver personalidade semelhante, teria de mudá-lo. O que seria de Bambuí se dali a alguns anos, quando a criança crescesse, um filho da terra tivesse um comportamento semelhante ao de alguém capaz de tantas atrocidades? Inimaginável.

Mas, diante das peremptórias negativas da mãe de Witter, que não aceitava, em hipótese alguma, chamar o filho por outro nome, o vigário passou a considerar outras soluções. A mais lógica seria acrescentar um nome bíblico à frente de Witter, pois, assim, os bons fluidos de um nome sagrado anulariam as possíveis más influências de um nome, àquela altura, tão profano.

Ao ouvir tal sugestão, a mãe de Witter não se conteve e foi às lágrimas, pois assim, não seria necessário abrir mão de algo tão desejado. Mas que tão sagrado nome poderia ser escolhido, em meio a inúmeras possibilidades? Seria algum apóstolo? João ou Pedro? Algum anjo? Gabriel ou Rafael? Um nome do Antigo Testamento? Noé ou Moisés? Não, não seria nenhum desses.

Nesse momento da narrativa, Witter nos encarou e, num misto de mistério e desilusão, disse: com tantos nomes possíveis, minha mãe escolheu Maria e, desde então, eu sou Witter Maria. E, finalizando sua história, nos inquiriu: vocês conseguem imaginar o quanto foi difícil, na minha infância, quando tudo é motivo de piada, aturar as brincadeiras dos outros meninos?

É, com certeza, não deve ter sido nada fácil. Bom domingo a todos.

(*) doutourando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM

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