Fecho os olhos, minha Uberaba querida, e te vejo nascendo: um córrego, uma casa aqui, outra ali, a terra chamada da Farinha Podre
Fecho os olhos, minha Uberaba querida, e te vejo nascend um córrego, uma casa aqui, outra ali, a terra chamada da Farinha Podre, um início, Major Eustáquio no entusiasmo, antevendo que o solo com várias colinas e aguada boa iria florescer. E fico pensando no destemor dos que iniciam uma civilização, a crença nas próprias forças, a coragem de acreditar que o impossível pode tornar-se possível. E fico pensando que, aos poucos, teu crescimento se fez rápido, mesmo com as reviravoltas históricas sofridas, pertencendo a um Triângulo que mudava de mão em mão, mesmo assim, sob a invocação de Santo Antônio e São Sebastião, em 2 de março de 1820, é criada a “nova Freguesia (...) também uma capela curada, no lugar que mais convier, para comodidade dos habitantes...” Talvez por isso, Uberaba minha, a presença dos dois santos tenha feito de ti uma terra abençoada, de gente boa e hospitaleira. Tão hospitaleira que tantos imigrantes, de todas as partes do mundo, como meu pai, tios e avós aqui aportaram, sentindo-se acolhidos por teu povo gentil e bom. Aqui, Uberaba amada, vislumbrei, pela primeira vez, a luz da vida. E vieram meus irmãos. Aos poucos, a visão da Rua Tristão de Castro, meu pai no comércio, minha mãe com os filhos unidos a ele, naquela união peculiar das famílias árabes. E visualizo, mentalmente, o imenso quintal com frondosas jabuticabeiras - uma rede entre elas - a moçada deleitando-se com sua sombra. Depois a mudança, Av. Capitão Manoel Prata, mais irmãos, a mangueira crescendo conosco, até hoje vigorosa na Varandinha do meu irmão Antônio, afirmando sempre, entre risos, que a imensa copa abriga duendes, talvez no anseio de resgatar o passado. E teus morros, querida Uberaba, percorridos por minha irmã Aparecida e por mim, durante anos e anos rumo à escola dominicana: tu, no acompanhamento de nossos passos. E foi aqui que, um dia, encontrei meu grande amor, Muril e vieram os filhos, e os filhos de nossos filhos, e genro e noras, a família crescendo também no amor por ti. O tempo vai, o tempo vem, e aqui continuo, sem meus pais, sem meu amor, transformados estrelas ou anjos. O tempo vai, o tempo vem, entes queridos me acompanham, e amigos, tantos amigos, com doces palavras quando o ânimo ameaça esvair-se na tristeza. Teu seio, Uberaba minha, que ouviu de minha boca o primeiro vagido, quando me abri para a vida, também acolherá meu suspiro derradeiro, na certeza de haver completado meu ciclo de amor por ti.