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Tira Gosto

Eliane mora no conjunto Uberaba. Tem a cara boa, sorriso espontâneo. É uma negra que conversa com felicidade. Uma cozinheira de mão cheia que gosta de receber os amigos e é amiga de Evódio

Gilberto Caixeta
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 11:40
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Eliane mora no conjunto Uberaba. Tem a cara boa, sorriso espontâneo. É uma negra que conversa com felicidade. Uma cozinheira de mão cheia que gosta de receber os amigos e é amiga de Evódio. Certo dia o convidou para uma geladinha, acompanhada de tira-gosto, em sua casa. Confirmou o convite dizendo que faria um tira-gosto diferente para ele. Coisa de pobre, mas limpinha e bem feita, disse Eliane. Segunda ela, comida de pobre é cheirosa porque é feita na banha com cebola, sem esquecer o alho. Evódio disse que iria e foi.   Era sexta-feira à noite, quando chegou à casa da amiga. Encontrou-a preparando o seu tira-gosto e foi logo abrindo uma cerveja e eles ficaram na cozinha, contando casos e ouvindo piadas dos demais que participavam deste encontro entre amigos. De vez em quando ela levantava e olhava a panela; emergia a colher; derramava o caldo que havia na mão e o experimentava. Olhava para os amigos e dizia: “Isso tá bão, vocês vão comer sorrindo”. Evódio olhava pra panela e não enxergava o que havia lá dentro, só sabia que o cheiro era por demais delicioso. Dava vontade de comer com pão, com arroz soltinho ou puro mesmo. Mas a hora chegaria, enquanto não, ficou a ouvir as piadas. A que ele guardou relata a chegava de um homem mau ao céu. São Pedro, ao recebê-lo, exigiu como condição de sua entrada que ele soletrasse a palavra amor.   Assim fez o “marvado” e entrou no céu. Um dia o “marvado” substituiu São Pedro na portaria e, ao recepcionar um inimigo seu, que havia chegado à porta do céu, disse: “Para você entrar aqui tem que soletrar uma palavra”. “Pois não” – disse o seu inimigo –, “qual é a palavra?”: “Tchecoslováquia”.   Eliane, toda sorridente, foi buscar o nosso tira-gosto. Antes, aprontou uma vasilha de plástico rasa, forrou a mesa, cortou os pães, como havia pensado Evódio, e buscou a panela no fogão. Derramou aquela comida cheirosa, levando os participantes a salivar. Evódio olhou a comida e de primeiro não entendeu o que era. Eliane disse: “Coma, Evódio, é tira-gosto de pobre, mas está bem feitinho.   Cheguei em casa mais cedo só pra fazê-lo, lavei, bem lavadinho no vinagre, raspei direitinho, arranquei todas as unhinhas, refoguei e cozinhei com pimenta-do-reino, pimenta bode, bastante cebola e alho, e batata, até virar esse caldo grosso, e, ainda joguei um caldinho de galinha, pra dar mais gosto. A salsinha não é enfeite, dá sabor também. Comida tem que ser cheirosa e bem feita”, disse Eliane, em sua convicção de boa cozinheira, que aprendeu com a mãe e ensina a filha. “É... o prato está bonito”, disse Evódio a Eliane. “Então, experimente um pouquinho. Pegue com a mão mesmo. Não tem como comer de garfo e faca. O pano de prato está aí pra você limpar os dedos depois de comer o pé de galinha, que eu fiz especialmente pra você”. Sim, eram pés de galinha, gostosamente pés de galinha. Evódio comeu até se enfarar, com cerveja, então!     (*) professor [email protected] Gilberto Caixeta escreve às terças-feiras neste espaço  

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