Estava comendo pão francês no meu apartamento. Não quis pegar prato, escolha minha
Estava comendo pão francês no meu apartamento. Não quis pegar prato, escolha minha. Errada ou não, deixo aberta à sua interpretação, leitor. As migalhas ficaram no chão. Junto delas aquela famosa poeirinha que São Paulo é craque em fazer e faz bem para quem gosta de ficar ocupado com a limpeza. Não é o meu caso. Decidi, espertamente ou não, passar uma vassourinha no chão e colocar o resto da poeirinha debaixo do tapete. Agora te pergunto, leitor, a poeirinha debaixo do tapete me incomodou? Nem um pouco, afinal, eu não a estava vendo.
Mas se eu esqueci, eis uma coisa que seria mentira afirmar. Toda vez que eu sentava na sala e olhava para o tapete, pensava que ali tinha a poeirinha. E o pior, comecei a criar um mundo de possibilidades que poderia estar acontecendo lá embaixo. Uma delas, se poderia chamar atenção de insetos, que poderiam invadir a minha casa. A questão é: a poeirinha era passado. Mas, por algum assunto íntimo, totalmente meu, ao invés de simplesmente jogá-la fora e enterrar no meu passado, eu apenas a havia escondido.
Eu a escondi de mim própria e ela continuava, por mais que eu escondesse, parte do meu presente. Tá vendo a relação, leitor? Acabei de fazer uma terapia comigo mesma, sentada durante meia hora sem fazer nada no meu sofá. Escondemos coisas do nosso passado de nós mesmos, como a poeirinha debaixo do tapete. Acho realmente incrível quando a pessoa se diz totalmente bem resolvida. Acredito que todos nós temos assuntos mal resolvidos, seja com nós mesmos ou com os outros.
E normalmente esses problemas se tornam poeirinha por dois motivos aparentes: primeiro que queremos escondê-lo de nós mesmos e, segundo, que por algum motivo ou motivos não queremos jogá-lo fora no lixo, não o resolvemos. Discordo quase que totalmente das pessoas que falam que não se deve mexer no passado.
O passado faz parte de nós e, mesmo que não gostemos ou não nos orgulhemos dele, apesar de doloroso expor as feridas e jogar algo que vai arder a cicatriz, é entender que a poeirinha debaixo do tapete não se tornou algo do passado, já que está escondida de alguma forma no nosso presente. Que a gente exponha, mesmo que só para nós mesmos, a poeirinha debaixo do tapete, para resolver e limpar de vez aquilo que não foi resolvido realmente, para onde ele pertence: para o passado. Depois de toda essa terapia, me levantei e tirei a poeirinha e migalhas debaixo do meu tapete.