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Tempus regit actum

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 16/11/2020 às 07:40Atualizado em 19/12/2022 às 05:59
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Existe uma máxima que os antigos sempre repetiam para passar os ensinamentos aos mais novos sobre como deve acontecer uma análise justa: ninguém deverá ser julgado longe de seu tempo e longe do lugar do fato.

Pois bem, esta dentre outras tantas que existem na sabedoria popular e que pautam as lições mundanas, vê-se mesmo que podemos aplicá-la as questões jurídicas. E no caso em exame diz respeito ao regime de bens, escolhido pelo casal e a hipoteca dada em garantia pelo mesmo casal.

As modificações trazidas pela nova legislação podem criar dúvidas ou discórdias sobre qual deverá ser aplicada em um caso concreto.

Os nubentes haviam se casado no regime de separação convencional de bens, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002; ou seja, sob a égide do Código Civil de 1916. E em razão de negociações feitas, e em meados de 2009, foi feita uma hipoteca sobre um imóvel de propriedade de apenas um dos cônjuges, haja vista que não existe comunicabilidade dos bens por força do regime adotado, portanto já na vigência do Código Civil de 2002.

O que podemos observar são dois atos distintos que ocorreram: o casamento e a hipoteca. O primeiro ocorreu na vigência do Código Civil de 1916 e o segundo no vigor do Código Civil de 2002.

Agora, respondendo o casal pela excussão da hipoteca, ou seja pela execução direta que atinge o bem dado em garantia, no caso hipotecária, se defendem com o argumento de que: foi dado um bem imóvel em garantia de dívidas contraídas no ano de 2009, portanto na vigência do novo Código Civil (2002); e em razão do regime de bens ser o de separação convencional o garante foi feito sem a outorga uxória. E como o casamento foi realizado em 1987, ainda sob a égide do Código Civil de 1916, e por esta legislação se exigia a anuência marital, a hipoteca seria nula.

Ora, caríssimos leitores, realmente o raciocínio é mesmo ilógico e transparece mesmo que querem fechar a gaveta e jogar a chave dentro.

Impossível!! E até mesmo inimaginável.

Aqui estamos tratando de dois fatos ocorridos. Um sob o manto do Código Civil de 1916, que foi o casamento realizado. E o outro fato uma hipoteca prestada já quando em vigor o Código Civil de 2002.

Vejamos: os autores da ação elegerem para o casamento o regime de separação de bens e assim foi realizado, nos idos de 1987. Já em 2009 a hipoteca foi constituída, com a assinatura de apenas um dos cônjuges e único proprietário.

O ato que se pretende anular, a hipoteca, aconteceu na vigência do Código Civil de 2002, e ao argumento de que a garantia foi dada com a assinatura de apenas um dos cônjuges; e mesmo que casados sob o regime de separação de bens seria necessário a assinatura dos dois.

A Corte Superior foi incisiva e agiu com extrema correção. Mesmo que o casamento tenha ocorrido sob a égide do Código Civil de 1916, e que para este regramento a hipoteca só poderia ser prestada por ambos os cônjuges. O negócio jurídico que se quer anular foi celebrado já na vigência do Código Civil de 2002; e que por esta lei, em razão do regime de bens adotado pelo casal, a hipoteca pode ser prestada somente com a assinatura do cônjuge proprietário.

Nada mais lógico mesmo. Pois, querer aplicar a lei já revogada a ato jurídico perfeito e acabado ocorrido na vigência na lei nova é no mínimo pisotear na famosa expressã tempus regit actum, que é matéria afeta ao direito intertemporal e mesmo que a nova lei trate do período de transição entre atos que se interligam; o negócio jurídico foi realizado sob a batuta da nova lei que não exige a outorga, ainda que o matrimônio tenha sido realizado no vigor da lei de outrora. Aqui estamos tratando da garantia e é sob ela que devemos debruçar, visto tratar de um ato jurídico perfeito, haja vista que foi concretizado ao tempo do novo Código Civil; e, portanto deve ser por ele regulado.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. https://www.monicaceciliorodrigues.com/

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