Lembrei-me dela mocinha. Os doze anos conformando, já, o corpo de moça. Soubera, à época, da professora que chamara a mãe para que zelasse
Lembrei-me dela mocinha. Os doze anos conformando, já, o corpo de moça. Soubera, à época, da professora que chamara a mãe para que zelasse melhor da menina: fora à aula com um justo short branco e transparente, por baixo minúscula tanga preta. E os meninos zombando, fazendo gracejos, ela tentando esconder com uma blusa de frio, amarrada à cintura.
A mãe na zanga: a filha, rebelde, fugindo constantemente da escola, vagabundeando pela rua. Deus sabia com quem! A professora, com suas limitações na escola pública, lotada de alunos, perguntando pela vida em casa, sabendo, então, do padrasto, moço ainda, e da vida promíscua da mulher, na ausência do companheiro. Dificuldade financeira. A menina vendo tudo, madurando antes da hora, a professora constatou. Mas a mãe dizendo que a filha tinha que ouvir os conselhos, sem importar-se com o que via. Que queria dar-lhe uma vida melhor, de estudo, torná-la professora, custasse o que custasse. E ameaçava a menina: aprontasse besteira e veria as consequências. A professora orientando, não seria essa a conduta, e, à parte, dizendo à mãe que o exemplo é que importava; não as palavras.
Mais tarde, eu soube: para fugir da falação da professora, mudara a mocinha de escola.
Vez por outra, eu pedia notícias da menina, de quem tinha profunda pena: temia que o tropel da vida a pisoteasse, deixando marcas irreparáveis.
Um dia, encontrei-a à saída do cinema: moça feita, cumprimentou-me esfuziante, na beleza desabrochada, olhos brilhantes, bem vestida e maquiada. Perguntei-lhe pela mãe: morrera, em consequência dos desregramentos. Ela, a moça, dividia, agora, um quarto com a amiga. E vivia de bicos: ora trabalhando nos leilões de gado, ora vendendo produtos de beleza. Os estudos, abandonara-os pela premência do trabalho. E dera uma boa notícia: nas horas de folga, aprendia pintura, sua paixão escondida.
E foi assim que a vi pela última vez: magra, muito magra e abatida, faces encovadas, olhos fundos e tristes. Exibiu-me dois quadros em preto e branco, expressivos e tristes também. Queria vendê-los para tratar-se. Aids. Sem amargura, confessou. Como se fosse natural e inevitável em sua trajetória. “Ainda hei de ser uma grande pintora”, disse, tentando converter a fala em realidade.
Concordei. Seria uma grande pintora. Era o que a moça queria ouvir. O tempo futuro do verbo trazia a entonação da espera/esperança: “Hei de ser”: agarrava-se ao resto de vida por um tempo verbal. E o tempo esperaria: o sonho ainda não se concretizara. Não morreria até que fosse uma grande pintora: enquanto aguardava o futuro, grudava-se à arte, como se, por ela, pudesse escancarar as portas da imortalidade.
(*) educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. thuebmenezes@hotmail.com