Neste ano, Belo Horizonte sofreu com nuvem de fumaça e névoa seca, além de ter somado uma sequência de 35 dias de calor acima da média, entre setembro e outubro, e 156 dias seguidos sem chuva, aparecendo entre as capitais brasileiras com maior sequência de dias secos em 2024 (Foto: FLÁVIO TAVARES / O TEMPO)
Os moradores de Belo Horizonte levaram um susto quando, no dia 1º de dezembro, um domingo, foram surpreendidos com mensagens e insistentes apitos sonoros em seus celulares. A ação era um teste de um novo sistema de alerta de riscos de desastres da Defesa Civil, desenvolvido pelo governo federal. Os avisos, no caso, foram enviados automaticamente para aparelhos com tecnologia 4G ou 5G, mesmo em modo silencioso e sem cadastro prévio. A ferramenta foi oficialmente ativada nos estados do Sul e Sudeste no início deste mês e a expectativa é que ela atenda cerca 113 milhões de brasileiros.
Ao “complementar outros sistemas de emergência, alertando e orientando moradores de áreas com risco iminente de desastres, como alagamentos, enxurradas, deslizamentos, vendavais e chuvas de granizo”, como explicou a prefeitura da capital mineira, o novo sistema aparece alinhado à necessidade de esforços nas medidas preventivas para situações que tendem a se tornar mais comuns em decorrência do acelerado processo de mudanças climáticas.
“No atual contexto, é crucial a constante reavaliação das estruturas de atendimento, de recursos materiais e humanos, e a otimização dos sistemas de vigilância para uma abordagem precoce de epidemias e catástrofes, sempre que for possível”, examina Último Libânio, médico clínico da Santa Casa BH, que é enfático ao sinalizar que as mudanças climáticas têm acontecido de forma pior e mais rápida do que se previa, provocando milhares de mortes a cada ano.
Atual vice-presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica - Regional Minas Gerais (SBCM-MG), ele destaca que impactos do fenômeno podem ser percebidos, por exemplo: no aumento da temperatura do planeta, não por acaso, o ano de 2024 foi considerado o mais quente da história, conforme indicou o centro europeu Copernicus na última segunda-feira (9); e no desequilíbrio do clima, fazendo que as chuvas fiquem menos distribuídas e, assim, o período chuvoso concentrado em poucos meses, aumentando a probabilidade da ocorrência de temporais devastadores intercalados por secas extremas.
“Evidentemente, a saúde da população está diretamente ameaçada por essas mudanças”, constata.
“Essa desregulação climática pode, entre outras coisas, ampliar as áreas de distribuição de vetores, aumentando a incidência de doenças como dengue, zika, chikungunya, leishmaniose e malária. Pode favorecer as queimadas, causar uma baixa umidade do ar e levar ao aumento da poluição, acentuando doenças respiratórias como asma e bronquite. Pode, ainda, comprometer a segurança alimentar e hídrica, pois secas e inundações afetam a produção agrícola, levando a escassez de alimentos e desnutrição, além de comprometer a qualidade das águas”, enumera.
Em relação ao calor extremo, as consequências incluem um maior risco para insolação, agravamento de doenças cardiovasculares e desidratação, que favorece, por exemplo, a formação de cálculos renais. “Em situações extremas, a exposição a altas temperaturas gera confusão mental, convulsões, perda de consciência e até mesmo a morte”, adverte. Já as inundações aumentam as chances de exposição das pessoas a infecções como hepatite A e leptospirose. Além disso, após os alagamentos, os entulhos e destroços aumentam o risco de acidentes com animais peçonhentos como escorpiões, aranhas, cobras, lembra o médico.
“Toda essa conjuntura, claro, tende a exacerbar condições de saúde mental, como ansiedade e depressão”, acrescenta.
Ações necessárias para minimizar impactos
Diante dos crescentes desafios que as emergências climáticas impõem, o médico clínico Último Libânio frisa a importância de uma gestão eficaz de desastres para que as comunidades estejam preparadas para o enfrentamento das emergências, minimizando seus efeitos.
“Estratégias integradas são fundamentais para enfrentar as emergências climáticas de maneira eficaz, protegendo a saúde e o bem-estar das populações. Vigilância, prevenção, controle de zoonoses são essenciais para que possamos controlar as doenças transmitidas por vetores”, aponta. Outras medidas necessárias elencadas por ele passam pela qualificação da prevenção e das respostas frente a epidemias e pandemias, pelo controle de contaminantes químicos, biológicos e físicos, e, por fim, pela conscientização sobre a relação entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental.
Individualmente, Libânio aponta que medidas simples geram um grande impacto, inclusive para a proteção coletiva. “O ideal é que as pessoas incorporem ações saudáveis e sustentáveis ao dia a dia, com cuidado especial para grupos mais vulneráveis, como crianças, idosos e gestantes”, aconselha.
No caso de indivíduos com condições de saúde preexistentes, o profissional de saúde indica o monitoramento rigoroso de sintomas, procurando ajuda de especialistas para ajuste de medicação conforme necessidade.
Para todas as pessoas, ele indica cuidados como o uso de roupas adequadas, a hidratação constante, bebendo água mesmo sem sentir sede, o planejamento de atividades ao ar livre em horários mais frescos do dia, antes das 10h e depois das 16h ou 17h, além de sugerir que se evite o consumo de álcool e se dê preferência por alimentos leves e de fácil digestão. “Usar filtro solar, evitar aglomerações sempre que possível, manter a casa higienizada e arejada, lavar as mãos com frequência, evitando colocá-las na boca ou no nariz são outras ações práticas aconselhadas”, adiciona ele, que ainda ressalta o óbvio: “Também é importante não provocar queimadas e descartar o lixo de forma adequada”.
Libânio avalia ser muito provável que nenhum sistema de saúde do planeta esteja preparado para novas demandas de emergências climáticas. “Esses sistemas conseguem lidar com certo conjunto de doenças e situações, mas, quando surgem novas enfermidades, a situação pode entrar em colapso. O mesmo acontece quando uma ou mais doenças fogem do habitual. Vimos isso, em escala mundial, na pandemia da Covid-19”, recorda, salientando para a necessidade de ações visando o aprimoramento desses sistemas e, também, para ações individuais que favorecem a prevenção.