Estimado leitor, motivado pelas recentes confusões em torno do nosso transporte coletivo, pus-me a pensar no tempo em que eu e um monte de amigos andávamos de ônibus. Não sei se todos se recordarão, mas, nos anos 80, os ônibus coletivos não transitavam de bairro a bairro. Viajávamos do bairro para o centro ou do centro para o bairro e havia um ponto final, em cada extremidade do percurso.
É preciso que se diga que o conceito de centro da cidade estava em pleno vigor, logo, a maioria dos compromissos das pessoas se resolviam nos estabelecimentos localizados nessa parte da cidade. Assim, qualquer que fosse a linha de ônibus que o sujeito tomasse, invariavelmente, ela o levaria ao centro. Hoje, o conceito de urbanização é o da descentralização, e, por isso, muitos estabelecimentos comerciais deixaram o centro da cidade, indo se alojar nos bairros, fazendo com que as rotas dos coletivos atendessem a essa nova demanda.
Mas isso acontece hoje. Voltemos no tempo. Os moradores do bairro universitário, nos anos 80, eram abastecidos com duas linhas de ônibus: o Santa Marta 65 e o Santa Marta 70, que se alternavam na mesma rota. Quando um estava indo para o bairro, o outro estava vindo para o centro e vice-versa.
Um detalhe muito curios nesse tempo, só havia uma rua que dava acesso ao bairro universitário. Era a Rua Rio Grande do Norte, que se iniciava na Av. Nenê Sabino, mas não chegava até a Av. Santos do Dumont, como é hoje. Por conta disso, o ônibus descia toda a rua, contornava o último quarteirão e subia de volta. Isso permitia que os moradores dessa rua saíssem de casa para pegar o ônibus depois que ele passava em frente às casas da rua. Como eu morava logo abaixo da mercearia do Batista (que existe até hoje), quase de frente para o saudoso bar do seu Laércio, assistia de camarote à descida do ônibus.
Mas o melhor mesmo era sair de casa no sábado à noite. À noite é força de expressão, uma vez que descíamos para o centro no ônibus das 19h30. Peço que o leitor mais jovem contenha a cara de espanto, pois sei que isso é, para os padrões atuais, inimaginável. Caminhávamos a pé até a Av. Dr. Fidélis Reis e, por volta das 20h, já degustávamos um imenso Hula-Hula – sorvete servido dentro de um abacaxi – especialidade do antigo Sorvetão, sorveteria muito badalada na época. Quem não gostava de sorvete, atravessava a rua, entrava no Suco Suco e pedia um dos mais de 30 sabores disponíveis, na mais badalada casa de sucos da cidade.
Andando um pouco mais, chegávamos ao Coimbra, sem sombra de dúvida o mais concorrido bar que existia em Uberaba nos anos 80. Foi lá que vi, pela primeira vez, alguém tocar Pink Floyd ao vivo. Quando a azaração no Coimbra decaía, nos dirigíamos para o Car Wash, outro barzinho, para ver como as coisas estavam. Nossa última parada era no fliperama (que agora não me recordo o nome). Ficava em frente ao Car Wash, onde a Cavaleiro Negro nos esperava. Foi a primeira máquina de fliperama que possuía dois andares. Os que eram viciados nela, entendem o que estou dizendo.
Por volta das 23h, voltávamos para a Praça Rui Barbosa, pois o último ônibus para o Bairro Universitário (isso mesmo, não havia ônibus a noite toda) deixava a Praça Rui Barbosa, às 23h30. Caso o perdêssemos, tínhamos que voltar a pé para a casa.
Pode parecer maluquice, estimado leitor, mas, em pleno sábado, não deitávamos depois da meia-noite. Com certeza, eram tempos muito diferentes.
(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM