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Reflexão na passagem do ano

Quando criança, eu me encantava com o Monte Everest

Padre Prata
thprata@terra.com.br
Publicado em 01/01/2012 às 18:57Atualizado em 16/12/2022 às 05:37
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Quando criança, eu me encantava com o Monte Everest, encravado naqueles fundões do Himalaia. Encantos de criança. Estava situado numa nesga de montanhas de terras áridas. O Nepal. País pobre. Vivem de turismo. Foi por aqueles lados que nasceu o Príncipe Sidarta Gautama, conhecido como Buda, uma das mais extraordinárias figuras que o mundo produziu. Sempre tive vontade de ir lá, ver alguma coisa de diferente. Sonhos, apenas sonhos.

Há poucos dias, li uma reportagem que me comoveu. Alguns turistas que subiam por aquelas estradas enfeitadas de penhascos notavam várias casas que acompanhavam as voltas daqueles caminhos. Pediram ao guia para vê-las mais de perto. As portas de todas elas estavam abertas, o que mais assustou. A mesa da sala estava posta. Pratos com arroz. Nacos de carne de cabra. Pão. Verduras, chá e água. Ao lado do fogão, montes de gravetos secos, para acender o fogo. Tudo muito limpo. Vasos de flores silvestres enfeitavam os cantos. Aqueles turistas ficaram admirados sem entender o que viam. “Qual a razão de tudo isto, perguntaram. Ninguém rouba?” A resposta foi surpreendente: “É costume nosso. Fazemos isso para ajudar os que vêm mais de longe e sentem fome e sede. Assim, há sempre um lugar para descansar e continuar a viagem”. “Ninguém rouba?” “Não, ninguém.” (Pensei no Brasil...)

Tempos mais tarde descobri a razão de costume tão surpreendente. Convivem no Nepal várias etnias diferentes e diferentes religiões com predominância do Hinduísmo e Budismo. Participam juntas de práticas religiosas. Uma delas: “A Oração da Conversão.” No último dia do ano, escolhem uma casa e ali se reúnem todos os vizinhos para a meditação. Um som suave de um grupo de flautistas prepara o ambiente. Em posição budista de oração, entram em profundo silêncio. Durante a maior parte do dia cada um deles fez o exame do ano que passou. Procura lembrar de tudo que fez de errado e nas coisas que agiu com sabedoria. Tema principal: “O que provoca o medo e afasta-nos do Caminho é o Desejo". A fonte do mal é o desejo. O desejo gera o medo de perder as coisas que temos, medo da fome, da doença, da má colheita, da morte. O que provoca o medo? É o desejo de perder o que se possui ou de não conseguir o que se deseja. Destrói-se o medo pela Meditação. Atingimos a Iluminação e as coisas se tornam mais claras e nossas atitudes mais sábias. É o egoísmo centralizado que impede-nos de atingir a Iluminação, isto é, o despojamento interior. O mal está dentro de nós.

Emanuel Maunier, sociólogo francês, disse que é o medo que caracteriza nossa atual civilização. Temos medo de tudo, da língua do vizinho, do provável assaltante, do Alzheimer, de perder o que temos. As Nações se armam e se agridem. Nossos mandatários roubam. Os corruptos de multiplicam. O pobre morre de fome. O Brasil está podre. O medo instalado dentro de cada um de nós. Qual tem sido o meu Caminho? (Continuo pensando no Brasil...)

Por isso, quando leio sobre os costumes dos nepaleses, fico com vergonha dos caminhos que vou escolhendo na vida. Afinal, que tipo de cristão sou eu?

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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