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Reflexões sobre a menina grávida

Há um texto bíblico que diz haver nesse mundo um tempo para tudo. Com ele aprendi a respeitar os diferentes tempos da minha vida e,...

Vera Lúcia Dias
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 13:36
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Há um texto bíblico que diz haver nesse mundo um tempo para tudo. Com ele aprendi a respeitar os diferentes tempos da minha vida e, nisso crendo, permiti-me nesse último fim/início de ano adotar uma posição de quem mais ouve do que fala.

Assisti ao desenrolar de uma guerra. Condoí-me com a tragédia das chuvas na região Sul. Deleitei-me, numa viagem de férias, com as belezas de um outro Brasil – o europeu – encravado nas serras gaúchas. Alegrei-me com a vitória do Barack Obama. Achei merecidas e felizes a eleição e posse de Terezinha Hueb para a presidência da Academia de Letras do Triângulo Mineiro.

Em meio a tudo isso, indignei-me com a história da menina de nove anos, vítima de abuso sexual e grávida de gêmeos do próprio padrasto na região Nordeste.

Defensora dos Direitos da Criança, criticados por muitos, participei de três gestões do Conselho da Criança e do Adolescente de Uberaba e criei, por iniciativa própria, uma ONG para acolher menores órfãos e abandonados, não sei se me revoltei mais com o que aconteceu com aquela menina ou com a posição de um dos representantes da Igreja em sua região.

Os fatos fizeram-me recordar de um artigo, desses que gente deveria emoldurar e pendurar na parede da sala, não me lembro se de Frei Beto ou Leonardo Boff, e que, na minha opinião, foi o pronunciamento mais sensato que já ouvi sobre o aborto.

Em síntese, tal artigo deixava claro que Deus é amoroso o suficiente para distinguir os abortos feitos por necessidade dos feitos por questões de estética ou para encobrir escândalos de quem tem dinheiro. Ilustrava sua posição comparando o aborto feito por mulheres que, naquela época, se deslocavam até de jatinhos patrocinados por políticos e executivos “para fazer o serviço longe” e em clínicas seguras, daqueles praticados em condições inadequadas por mulheres sem condições econômicas e passíveis de sérias complicações e até de morte.

Achei arrojado para a época, uns quase trinta anos atrás, e atualíssimo para o momento.

Fico a pensar: por que o arcebispo de Recife e Olinda, dom José Cardoso Sobrinho, não falou nada em defesa da menina e nem acusou seu padrasto? Quando excomungou a mãe da menina, o médico e a equipe que fizeram o aborto, o fez baseado em decisões anteriores? Em sua vida religiosa, ao ouvir mulheres de bem – entenda-se ricas – confessarem tal prática, absolveu-as ou excomungou-as?

E em sua diocese, que atitudes terá tomado em relação aos padres pedófilos que tiraram a inocência de crianças? Será que foram excomungados ou simplesmente transferidos de paróquia ou cidade, como costumamos assistir?

Experimento certo alívio quando trato de assuntos polêmicos, se falo de minhas utopias sociais. Nesse caso, em especial, sonho que chegue logo o dia em que meninas e meninos não sofram abuso de qualquer natureza. Que não haja mais meninas grávidas por estupro. Que os médicos de valor saibam sempre se pautar pelo princípio ético do mal menor. E ainda, sem intenção de comprar briga, que todos os religiosos se pautem mais no amor do que no rigor daquele que tudo sonda e tudo conhece.

(*) psicóloga

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