Ela disse: “E Deus colocou esse dinheiro na mão de quem? Do Real Madrid, pra contratar o Kaká”. Estas são as palavras da esposa deste jogador de futebol, comprado pelo time espanhol
Ela disse: “E Deus colocou esse dinheiro na mão de quem? Do Real Madrid, pra contratar o Kaká”. Estas são as palavras da esposa deste jogador de futebol, comprado pelo time espanhol, durante seu testemunho na Igreja Renascer em Cristo.
“Ah nein, senhoras e senhores!” Quem sou eu, mas que Deus pusesse esse dinheiro todo no combate a fome e a miséria de várias pessoas, e não num time de futebol espanhol.
Será que Deus mexe mesmo os pauzinhos e arruma dinheiro para aqueles que professam a seita da prosperidade! Tenho dúvidas. Mas a vida é cheia de dúvidas, porque nem tudo está ao alcance da compreensão. Entretanto, tenho a convicção de que Deus não é portador de injustiças, não faz da fé um balcão de trocas mercantis. Antigamente era a compra de relíquias religiosas, a chamada simonia; havia também a venda de terrenos no céu. Hoje, devido à complexidade do capitalismo e à globalização, só as relíquias não bastam, e os terrenos no céu estão sob controle imobiliário, que são vendidos em condomínios da prosperidade. Onde se vive sem medos, não há nostalgias supérfluas, levam em conta o passado e o futuro, desde que o presente seja próspero e vantajoso. Pequena é, pois, na verdade, a extensão da vida.
A desigualdade social repousa sobre bases sociais objetivas, mas produz efeitos por intermédio de processos subjetivos. É lógico que temos toda uma base do sujeito-social, mas é um erro desprezar a implicação do sujeito na produção do sucesso ou fracasso. O problema contemporâneo do sucesso e fracasso coloca-se nas tensões entre o que é social e o que é mais especificamente pessoal. Sem, contudo, responder ao que venha a ser uma vida bem sucedida.
A proposta da prosperidade, através da fé, faz do sujeito social um pertencente ao grupo que tem a função de elevá-lo socialmente. A sua fé, então, é mensurada pelo acesso aos bens de consumo, pela ascensão social. Quanto mais próspero maior será o consumo, mais renda, mais amplitude nas doações e diversificação nos investimentos.
Kaká é um doador milionário. Afinal, o seu sucesso se deve à sua igreja, onde “deus” contabiliza os recursos necessários para manter o seu dom de jogar. Mas tem que ter fé e doar, senão não.
As comemorações no futebol tem posto o ritual da fé na marca do pênalti, após o atleta do “Deus fiel” fazer o gol. Se por um lado é a morte do indivíduo, do outro é a elevação do renascer pela prosperidade, e a tensão entre sujeito e social desaparece, fazendo surgir a tensão entre credos, onde o campo de futebol era arena neutra.
Mas como alerta o filósofo estóico Marco Auréli “Que a imagem de tua vida inteira não te perturbe jamais. Não sonhes com todas as coisas dolorosas que provavelmente te aconteceram, mas a cada momento presente, pergunta: o que há de insuportável e de irreversível neste acontecimento”?
(*) professor