Para todo o cidadão existe a lei que lhe traz a segurança do que permitido e do que é proibido fazer...
Para todo o cidadão existe a lei que lhe traz a segurança do que permitido e do que é proibido fazer.
Todavia, estamos passando por um processo, e isto é bastante perceptível aos olhos mais atentos, que inusitadas vezes o Poder Julgador ao interpretar e aplicar a lei modifica, quase, totalmente o seu espírito. O que, certamente, acaba por trazer uma confusão desta tão propalada certeza de comportamento do que pode e do que não pode ser feito, e que ao longo dos tempos refletira em atitudes controvertidas dos cidadãos, e o que é pior com a anuência da Justiça.
É assim que podemos perceber pelo resultado singular de um julgado, onde se cobrava a pensão alimentícia, através da modalidade do pedido de prisão do devedor, através de um processo judicial que se arrastou por vinte anos.
Pois bem vejamos, foi iniciada a execução para recebimento da pensão alimentícia, com pedido de prisão, pelo filho ainda menor. E, como é de sabença geral, dada a morosidade dos tramites jurídicos, este credor se tornou maior, graduando e exercendo atividade profissional remunerada ao final do processo. O comportamento do devedor, ao que parece, não elidiu a dívida e nem a negou, mas utilizou do processo para ir procrastinando a sua obrigação, como foi relatado por mais de 20 anos.
A legislação brasileira permite o ingresso da ação executiva com pedido de prisão das três últimas prestações que se encontram inadimplentes, garantindo ao devedor o direito de pagá-las, ou provar que já havia pago ou ainda justificar a impossibilidade do pagamento.
E a estas prestações não adimplidas vão se acrescendo as demais que vencerem no curso do processo, aguardando a decisão final, que analisará a justificativa do devedor ao seu atraso.
Caso a justificativa não seja aceita, as parcelas já vencidas não sejam pagas e não se comprove o pagamento do que se cobra, a lei determina que o juiz decrete a prisão do devedor, pelo prazo de um a três meses e ainda será protestado o decisão judicial, nos bancos de dados.
A constrição da liberdade será em regime fechado, apartado dos presos comuns.
O cumprimento da prisão não quita a dívida, em realidade o decreto de prisão é apenas uma medida utilizada para coagir o devedor, que não é condenado por crime, a não ser preso e nem ficar preso, pagando a dívida para garantir sua liberdade, uma exceção aos processos de cumprimento de obrigação pecuniária.
Entretanto, surpreendentemente, a nossa Corte Superior, s.m.j., em uma decisão mais do que inusitada, entendeu por bem, em conceder um habeas corpus, ao contumaz devedor da pensão alimentícia ao argumento de que, apesar de devedor confesso das prestações alimentícias, o processo demorou vinte anos, e a urgência da prisão, “como medida coativa extrema”, não mais se justifica, para que este recalcitrante devedor do débito alimentar continue preso.
Ora, nobríssimos leitores, jamais vou comungar com este entendimento, pois para o credor dos alimentos é intocável o seu direito de receber o referido crédito através da prisão do devedor – esta é a LEI.
Agora, querer justificar que a demora do tramite processual, que não é culpa do credor, servir de justificativa para a soltura do devedor, jamais poderá ser argumento para a sua liberdade.
E o direito aos alimentos deste tempo todo se dissolverá no espaço?? E a necessidade por que passou o credor não será garantida pela justiça, como a lei determinou??
Não podemos nos calar diante deste posicionamento do Judiciário, porque se a moda pega a prisão não servirá mais como medida coativa para pagamento do débito alimentar, pois quem exercer o labor frente a Justiça Brasileira sabe muito bem que a demora é uma de suas características. E os devedores irão utilizá-la para eximir de sua obrigação, com o aval da Justiça, o que é inconcebível!
Dra. Mônica Cecílio Rodrigues
Advogada, doutora pela PUC-SP e professora universitária. E-mail: [email protected]