A identidade cultural se forja no processo histórico com referenciais internos e externos. Quando ele é comparativo, a partir do outro, tende a compreensão de processos
A identidade cultural se forja no processo histórico com referenciais internos e externos. Quando ele é comparativo, a partir do outro, tende a compreensão de processos, sem que isso represente identidade, mas tomada de conhecimento.
Muito tem se falado da identidade do povo brasileiro e de sua ascendência cultural proveniente de vários legados; heranças étnicas que se misturam no caldeirão territorial, constituindo a nação brasileira, cujo maior legado é a sua miscigenação. Não obstante, as tentativas inglórias de dividi-la em raças, “racializando” a compreensão do processo. No entanto, caminhamos das intolerâncias religiosas para a inclusão de várias nacionalidades ao processo “identitário” nacional. Onde algumas se interagiram com maior fluidez do que outras, contudo podemos encontrar o chinês, o japonês, o italiano, o francês, o alemão, transubstanciando o caldo natural constituído inicialmente por português, negros e índios. O Brasil, talvez por isso, encante aos olhos daqueles que sofrem a perseguição étnica, que nós, às vezes, relativizamos esse patrimônio multiculturalista. A formação social brasileira também não ficou imune às intolerâncias reduzidas ao debate classe versus raça. Os campos de concentração de alemães e italianos, no Brasil, durante a guerra deixaram cicatrizes, que não são de classe, mas não raciais. Assim como deixou marcas no chinês, preterido na emigração; nos japoneses, que sofreram reveses em tentativas integracionistas no seio social. Nos espanhóis, educados ou não; nos franceses, que, com o seu jeito universalista, encostaram ao patrimônio cultural brasileiro relatando a sua beleza em desenhos, cartas e na educação religiosa. Várias nacionalidades, espontaneamente ou por imposição, ficaram raízes no Brasil absorvendo valores e sendo absorvidos pelos valores nativistas.
A título de ilustração, a Belle Époque francesa no Brasil, exerceu um papel determinante em nossas letras, provocando, inclusive, a irrupção de uma temática marcadamente nacional. Com Graça Aranha, Euclydes da Cunha, sem esquecer jamais de Machado de Assis, com as suas obras intimistas e perfeitas. Fomentou o embate ideológico da época entre a miscigenação e o arianismo da elite brasileira no caldeirão cultural que fervia como ferve até hoje. Onde dialeticamente o morro desce espelhando o asfalto e esse sobe, refletindo o morro, para usar um termo contemporâneo.
A intenção parceira do JM com o Arquivo Público de Uberaba de relatar a França em Uberaba descasca o processo formativo dos valores culturais, que impregnam a tela histórica de nossa cidade. É o despertar para as variedades que compõem o todo sem se perder nas suas especificidades pontuais. Aos uberabenses, uma boa leitura nas manhãs de domingo, enquanto relembramos: “A boêmia dos cafés se transformara em boêmia dourada dos salões (...) Surgia uma fauna inteiramente nova de requintados, de dândis e rafinés (...) A literatura era cultivada como um luxo semelhante (...) aos paraventos japoneses do Art Nouveau”. Sem esquecer que o guarda-chuva de tudo isso é a cultura.
(*) professor