O nome de Sidônio Palmeira, porém, aparece apenas em sete agendas com autoridades dentro do Palácio do Planalto; publicitário diz que está à disposição para ajudar Lula
Sidônio Palmeira foi responsável pela campanha de Lula em 2022; publicitário é visto com frequência nos corredores do Palácio do Planalto (Foto/Arquivo/Reprodução)
O ex-marqueteiro de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Sidônio Palmeira, já esteve no Palácio do Planalto ao menos 30 vezes desde que o petista tomou posse no dia 1º de janeiro. É o que aponta levantamento de O TEMPO Brasília com dados dos registros de entrada e saída das catracas da sede do Poder Executivo.
O nome dele, no entanto, aparece apenas em sete agendas com autoridades dentro do prédio. O publicitário admite que teve mais encontros com ministros e com o próprio presidente Lula do que consta nos registros. Palmeira tem dado conselhos ao alto escalão sobre estratégias de comunicação e, quando assuntos “sensíveis” estão em pauta nos momentos de crises institucionais, o marqueteiro é chamado para buscar uma solução.
O imbróglio mais recente envolve a queda de popularidade do presidente constatada em quatro pesquisas de opinião que foram divulgadas no mês passado. Os dados também revelaram uma alta rejeição do petista entre os evangélicos e fizeram com que o governo buscasse um reposicionamento na comunicação por meio da campanha “Fé no Brasil”.
O entra e saí do marqueteiro de Lula
Em 2023, Sidônio Palmeira acessou o Palácio do Planalto ao menos 24 vezes, conforme registros de entrada e saída. Este ano, foram ao menos seis acessos. As informações, obtidas pela reportagem via Lei de Acesso à Informação, foram levantadas pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) até o dia 4 de abril.
Sidônio não ocupa cargo no governo federal, mas presta serviço para o PT Nacional. Responsável pela campanha vitoriosa do petista em 2022, ele tem atuado nos bastidores como um “consultor” de Lula e de alguns ministros.
Questionado sobre o número de vezes que Sidônio esteve no Palácio do Planalto, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, disse que o publicitário já foi recebido pela primeira-dama, Janja da Silva, e pelos ministros da Casa Civil, Rui Costa, e de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. No entanto, Sidônio nega ter se encontrado com Janja e com Padilha.
O ministro da Secom argumentou que várias figuras públicas, que não estão nos quadros do governo, mas que são ligadas ao PT ou que fizeram parte da campanha de 2022, estiveram no Planalto. Ele citou como exemplo o prefeito de Araraquara (SP) e ex-ministro da Secom durante o governo Dilma Rousseff, Edinho Silva, e o deputado federal Rui Falcão (PT-SP), presidente do Instituto Lula Paulo Okamotto.
Pimenta disse que eles estiveram “muitas vezes” ou “tantas outras vezes” no prédio. “Então, tem muitas pessoas que não fazem parte do governo, que fizeram parte da campanha, são pessoas que têm experiência e atuação em áreas importantes do governo”, declarou. “Eu acho que é uma coisa muito do dia a dia, muito natural, sem qualquer sobressalto”, concluiu o ministro da Secom.
Em conversa com a reportagem, Sidônio disse que muitas outras pessoas colaboram com o governo. Ele lembrou que é consultado e ouvido com frequência pelo ministro da Secom e que, no lugar de Pimenta, faria o mesmo - ou seja - também procuraria o marqueteiro responsável pela campanha vitoriosa.
O publicitário lembrou que Paulo Pimenta não participou da campanha do petista em 2022 e, por isso, não se conheceram. No caso do ministro da Casa Civil, Rui Costa, é o contrário. Ele disse que se conhecem a mais tempo, e inclusive mantém uma relação de amizade.
“É natural que ele [Pimenta] me procure. Eu faria a mesma coisa. Resolver um problema de comunicação não é fácil, tem fake news, discurso de ódio. E o governo tem um limite de comunicação”, frisou sem detalhar qual seria este limite.
Sidônio pontuou que está “à disposição de Lula e do governo para poder ajudar” naquilo que puder na atual gestão. “Já fui chamado para ser ministro. Não tenho esse perfil de governo. Cada um com sua característica, sou publicitário. E quem comanda tudo é o Pimenta”, ressaltou.
Questionado sobre o fato de estar recorrentemente em Brasília, uma vez que mora na Bahia, e que não tem contrato com o governo, Sidônio disse que “faz com gosto” e acabou “construindo uma relação” com o presidente da República. “Estou aqui pela admiração pessoal que tenho pelo presidente Lula”, declarou. Ainda assim, ele mantém contratos e presta serviço para o PT Nacional.
Sidônio Palmeira criticou o termo marqueteiro. Disse que prefere ser chamado de publicitário e que esta é a sua profissão. “O marqueteiro dá a impressão que o cara faz o que faz para ganhar dinheiro”, criticou. “Marqueteiro parece que é aquele cara que pega uma coisa ruim e transforma em coisa boa. Essa imagem foi construída por Duda Mendonça e outros”, completou.
Citado por Sidônio, Duda Mendonça foi ex-marqueteiro de Lula quando o petista ganhou a primeira eleição presidencial em 2002. Morto em decorrência de um câncer no cérebro, o publicitário morreu em 2021, aos 77 anos.
Sobre a campanha Fé no Brasil, Palmeira admitiu que chegou a ser procurado sobre uma maneira de furar a bolha e atingir segmentos mais conservadores da população, mas que o trabalho foi feito por outra agência de comunicação.
“Não tem nada a ver para evangélico, é uma campanha que dialoga com os evangélicos? Dialoga porque o evangélico é brasileiro como tantos outros. Gilberto Gil tem fé, eu tenho fé, o católico tem fé. ‘Andar com fé eu vou’”, cantarolou trecho homônimo da música do cantor e compositor Gilberto Gil. A canção não faz parte de nenhuma peça publicitária do governo federal.
“O conceito é falar para todos. Não é uma campanha que vai resolver o problema de comunicação do governo, porque isso também envolve política de comunicação, envolve comunicação digital, segmentação regional”, completou.
Nome de Sidônio Palmeira aparece apenas em 7 agendas no Planalto
Mesmo com quase 30 registros de portaria, o nome de Sidônio Palmeira, porém, consta apenas sete vezes em compromissos oficiais de autoridades do Palácio do Planalto. Os dados foram coletados através da ferramenta Agenda Transparente, desenvolvida pela agência Fiquem Sabendo, que faz o rastreamento em tempo real das audiências entre agentes públicos e privados com base em dados oficiais do Executivo federal.
Sidônio teve cinco compromissos com o chefe de gabinete do presidente Lula, Marco Aurélio Santana Ribeiro, o “Marcola”; uma com o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Márcio Macedo, e uma com o presidente Lula. O encontro com o petista consta na agenda no dia 13 de janeiro de 2023, na mesma semana em que o país ainda vivia o calor dos acontecimentos das invasões do dia 8 de janeiro, quando os prédios da Praça dos Três poderes foram invadidos e depredados, entre eles o próprio Palácio do Planalto.
Três dessas agendas estão com o tema “encaminhamento de pauta”; e outras três, como “apresentação de pauta”. Em todos os casos ele foi identificado como “publicitário". Uma fonte do governo federal contou à reportagem que participou de algumas agendas com Sidônio no Palácio do Planalto e achou estranho isso não constar nos registros oficiais.
Ele esteve também no Palácio do Planalto no dia 20 de março, em uma quarta-feira, dois dias após o presidente Lula realizar a primeira reunião ministerial de 2024, quando, em 18 de março, deu um puxão de orelha no alto escalão. Naquela ocasião, o petista pediu mais alinhamento entre os auxiliares, e que era para todos melhorarem a comunicação governamental. O ministro da Secom, Paulo Pimenta, não foi poupado das críticas e sofreu reprovação inclusive entre seus colegas. O publicitário preferiu não comentar sobre o episódio.
Na quarta-feira (10), a reportagem flagrou Sidônio deixando o Palácio do Planalto. Abordado pessoalmente, Palmeira disse que foi almoçar com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e que os dois “são muito amigos” e que não trataram sobre nenhum tema político. Até o fechamento desta reportagem, os compromissos de Rui Costa não constavam no e-Agendas, que é o sistema eletrônico de agendas do poder Executivo federal.
“Rui é meu amigo. Ele é baiano. Não é a comunicação que eu discuto. Falo sobre outras questões pessoais, somos amigos”, respondeu Sidônio logo após dizer que sempre que pode, quando está em Brasília, “dá um pulo” no Planalto para dar um “oi” para o ministro da Casa Civil e também para Pimenta.
Questionado se achava estranho o nome dele não constar nas agendas oficiais, ele disse que em muitas situações, foram apenas conversas rápidas nos gabinetes dos auxiliares do petista. “Nada de agenda de uma hora”, ressaltou.
Mesmo que não conste nas agendas dos ministros, secretários e chefes de gabinetes, alguns registros de portaria revelam que o publicitário passou uma manhã inteira ou até mesmo o dia inteiro dentro do Palácio do Planalto. Em outras situações, ele chegou às 18h e 19h, quando não há mais eventos públicos no prédio, e saiu depois das 20h. Há ainda situações, como o dia 18 de maio, em que ele entrou por volta das 13h e deixou o prédio às 18h45.
Procurada, a assessoria de imprensa do ministro Rui Costa não respondeu quantas vezes Sidônio e ele se reuniram, e com quem mais o publicitário teve agenda no ministério desde o início do governo Lula.
Ao contabilizar o almoço que Rui Costa e Sidônio tiveram no Palácio do Planalto na quarta-feira, o número de vezes que o publicitário acessou a sede do Executivo federal sobe para 31. O encontro, porém, ocorreu antes do pedido de LAI feito pela reportagem.
Especialista vê problema na falta de transparência
Segundo o advogado Bruno Morassutti, cofundador da Fiquem Sabendo e especialista em transparência pública, é um problema o fato das autoridades do Palácio do Planalto não registrarem no sistema E-Agendas o nome do publicitário nas audiências. A plataforma eletrônica deveria trazer, em regra, o nome de todos os entes, públicos e privados, que participaram de determinada reunião.
Ainda na entrevista, Morassutti destacou que Lula e o alto escalão do governo deveriam dar o exemplo de que “transparência é regra”, mas não exceção. Ele ainda criticou a falta de transparência, no caso dados sobre participantes, nas agendas do presidente Lula, do vice-presidente e da primeira-dama, Janja da Silva.
“A ausência de registro desses compromissos representa, em primeiro lugar, uma cultura de transparência que ainda precisa ser reforçada, e reforçada principalmente pelas altas autoridades. Quando a Presidência e os ministros tomam medidas para cumprir com rigor os requisitos de transparência pública que a legislação impõe, as autoridades que estão subordinadas a eles também se sentem mais compelidas a também ter mais critério, mais cuidado para observar a questão”, afirmou.
"Eu entendo que existe, sim, um problema, no mínimo, no que diz respeito à não observância de procedimentos para registro dessas audiências e posterior publicação. E também entendo que existe uma necessidade de maior percepção da necessidade da importância pública da transparência”, completou.
O advogado e cofundador da Fiquem Sabendo lembrou ainda que durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), muitos casos problemáticos da antiga gestão só vieram a público em função dos registros de algumas reuniões.
“O governo passado teve uma série de problemas que só foram efetivamente fiscalizados e só foram trazidos ao público, justamente porque havia, ainda que de forma problemática, registros a respeito da realização dessas reuniões. Então, claro, não estou aqui discutindo o mérito das audiências que foram realizadas [no governo Lula]. O que eu quero enfatizar é que tem - a autoridade superior - mostrar com seu exemplo, que a transparência é regra, e o sigilo é uma exceção”, concluiu.
Mesmo com um gabinete próprio no Palácio do Planalto, o governo não divulga a agenda da primeira-dama por entender que ela não ocupa um cargo oficial na atual gestão. Procurada, a assessoria de imprensa dela não respondeu até o fechamento desta matéria.
Veja os registros de acesso de Sidônio Palmeira no Palácio do Planalto
Confira todas as vezes que o publicitário Sidônio Palmeira esteve no Palácio do Planalto até o dia 4 de abril, data em que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável pelo acesso nas portarias do prédio, coletaram e forneceram as informações.
2023
Data e hora da entrada | Data e hora de saída
*O dia 13 de janeiro, semana em que houve os ataques do dia 8 de janeiro, não consta nos registros de horário e saída das catracas do Palácio do Planalto. Ainda assim, o nome de Sidônio Palmeira consta na agenda oficial do Lula.
2024
Data e hora da entrada | Data e hora da saída
Pessoas ouvidas pela reportagem contaram que a falta de registro de horário de saída e entrada de qualquer pessoa ao Palácio do Planalto pode ser explicada quando alguém entra ou deixa o prédio acompanhado de alguma autoridade. Nestes casos, as passagens são diferentes dos acessos comuns.
Fonte: O Tempo