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Os caminhos de Deus

Cena do pobre cotidiano brasileiro. Um morador de rua aproxima-se de uma caçamba

Terezinha Hueb de Menezes
Publicado em 30/04/2011 às 20:19Atualizado em 20/12/2022 às 00:34
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Cena do pobre cotidiano brasileiro. Um morador de rua aproxima-se de uma caçamba. Procura algo aproveitável. De repente assusta-se com a visão. Num embrulho, uma criança recém-nascida, malcheirosa pela falta de cuidado. Entre sete e dez dias de nascida.

O homem fica apavorado. Corre em busca de socorro. Chega a uma escola próxima. Traz um professor que, com ele, conduz o pequeno ser ao interior da escola próxima. Ali, uma professora, vendo o estado lastimável da menina, faz respiração boca a boca, ignorando a sujeira que fazia exalar tanto mau cheiro.

A criança é conduzida ao hospital e parece recuperar-se.

A mãe é encontrada. Seis filhos. Situação, talvez, de miséria em todos os sentidos, inclusive moral. Justificativa insustentável. Por que não entregar a criança para adoção? Por que não deixá-la em um hospital, ou igreja, ou ainda na porta de alguma residência? Por que jogá-la numa caçamba de lixo?

Nomeiam a criança: Vitória. Vitória contra a morte, vitória contra a insanidade, vitória contra a insensibilidade, vitória pela salvação através das mãos de um professor, chamado pelo morador de rua.

De tudo, sobram-me algumas depreensões: uma delas, é o orgulho de ser professora. Se o professor foi chamado para acudir a recém-nascida, se uma professora, ignorando o nojo pelo mau cheiro exalado pela recém-nascida, tem a coragem de promover respiração boca a boca, fica em nós, professores, a sensação de que o magistério ainda é uma profissão que se aproxima do sacerdócio, pela credibilidade que inspira nas pessoas. Outra: a escola também continua sendo um local sagrado, em que personalidades se formam, em que cidadãos se moldam, em que a educação busca sempre ser preservada. Continua sendo local em que se percebe, como centro de tudo, o crescimento humano. Continua sendo espaço que desperta respeito e credibilidade.

Penso, ainda, em como se traçam os caminhos de Deus: o morador de rua, em reportagem a um programa de televisão, confessa haver abandonado a família – mulher e filhos –, optando pela vida nas ruas. Diante do impacto vivido (por que aquele homem? por que aquele local? por que aquele horário? – mais 20 minutos e a criança teria morrido), o morador de rua disse mais ou menos o seguinte: Se a menina teve uma segunda chance para viver, eu também posso ter uma segunda chance em minha vida.

São os caminhos de Deus, que não entendemos e nem ousamos questionar, mas são os caminhos de Deus. Amém!

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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