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Opostos

A gota d’água rolou pela folha verdejante. Aconchegou-se na pétala da rosa vermelha

Terezinha Hueb de Menezes
thuebmenezes@hotmail.com
Publicado em 07/05/2011 às 19:40Atualizado em 20/12/2022 às 00:27
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A gota d’água rolou pela folha verdejante. Aconchegou-se na pétala da rosa vermelha. E brilhou aos primeiros raios do sol. Viera do alto, noite orvalhada de mistérios. Não entendia como se haver desgarrado de tantas outras que também atingiam a terra. Sabia-se candidata a desaparecer, secar-se ao calor e ao vento, sumir, talvez subir para depois retornar. Ou talvez formar com os milhares de gotas o rio que margeia a cidade, ou ainda o mar que desperta mistérios. Escondida na concavidade da pétala, a gota d’água espera, espera, espera o que a vida lhe reserva... E pensa em quantas possibilidades possam aparecer em sua breve trajetória, nos riscos de escorregar e perder-se na terra afora, esfacelando-se, nos perigos fora do aconchego daquela pétala perfumada.

A gota de lágrima escorre pela face de alguém que sofre. Não entende como viera parar ali. Saída dos olhos, dos cantos dos olhos, empurrada por outras gotas que se sucedem sem trégua. Não gostaria de estar ali, presenciando sofrimento, sofrendo junto, sabendo-se salgada, o próprio sal também lhe entranhando o ser. Por que chora? Que motivo lhe faz fechar ainda mais o cenho, parecendo alheio ao que se passa ao derredor, pervagando por lugares, e fatos, e mundos apenas do seu conhecimento? Por que não dividir as tristezas com o outro e assim transformar a gota salgada de sofrimento em gota salgada de alegria que tudo cura, que tudo enternece, que tudo alegra? Triste sina ser gota salgada da lágrima, gota permeada de tristeza... Talvez aquela gota de que fala Chico Buarque, a gota que faz entornar o copo das frustrações e dos desenganos: “Deixe em paz meu coração/ ele é um copo até aqui de mágoa/ e qualquer desatenção, faça não/ pode ser a gota d’água.”

Por que não poderia escorrer de uma face sorridente, entranhando-se nas dobras do sorriso, sorrindo junto? Compor o pranto da emoção por uma aquisição ansiada? Compor o legado da alegria pelo amor conquistado, pelo filho que preenche vidas? Talvez a gota presente na água transformada em vinho, pelas mãos de Cristo, nas bodas de Caná, promovendo o contentamento e a esperança. Não uma das centenas de gotas que escorreram de Seu lado, transpassado pela lança, despejando o sofrimento a Ele imposto pela humanidade ingrata.

Tantas possibilidades! E a gota d’água, sabendo-se polissêmica: ser água cristalina que forma rios e mares, mas ser, também, gota salgada nos vários momentos que ocorrem na trajetória humana. Pudesse ela e jamais se deixaria escorregar da pétala, escondida em sua boniteza, nem salgar-se nas intempéries da vida: seria, sim, sinal sempre das alegrias e complemento de sonhos, esperanças e realizações.

 

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. thuebmenezes@hotmail.com

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