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Opostos

Ele chegou esbaforido. Já pelos idos de março

Terezinha Hueb de Menezes
Publicado em 15/04/2012 às 12:00Atualizado em 19/12/2022 às 20:09
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Ele chegou esbaforido. Já pelos idos de março. Queria matricular-se na segunda série do Ensino Médio. Procurando uma escola melhor. Sou chamada para entrevistá-lo. E vejo que já tem vinte anos. Fora da faixa etária. E sem frequentar aulas no ano em curso.

Pergunto-lhe o motivo do atraso escolar. Estudava à noite, de dia trabalhando no carregamento de caixas. E tanto, e tanto, que nas aulas as mãos não se aguentavam de dor, tal o esforço despendido.

No embalo, resolve contar sua história. Nascido de mãe com problemas mentais. No nascimento, o pai some no mund não quer dificuldades nem responsabilidade. Nunca mais o vira.

Faz um corte na história e se manifesta sobre a vida atual: a mãe, internada em instituição especializada para doentes mentais; morando com o avô, que um AVC deixara em situação frágil; com o avô, mulher em sua companhia. E ele, o rapaz, se sentindo no risco de ficar só no mundo, sem eira nem beira, sem estudo, sem profissão, antevendo, pois, o que seria sua vida.

Vemos, então, minha funcionária e eu, que a melhor saída seria um curso supletivo para que ele acelerasse os estudos (talvez o EJA) e pudesse logo ingressar na faculdade.

Pergunto-lhe como manter-se nessa trágica situaçã cheio de orgulho, comenta que já arranjara empreg de segurança, num condomínio. Retira-se, então, em busca de saída para os estudos, sob as orientações que sentimos necessidade repassar. Senti pena do jovem. Muita pena. Desvalido de tudo. Contando, apenas, com seu esforço, com suas iniciativas, sem ninguém a quem recorrer, o avô/arrimo doente, a mãe em uma instituição para doentes mentais, ele só, com sua vida, seus problemas e seu futuro,  incerto e nebuloso.

Fiquei pensando nos opostos da vida. Nos tantos jovens de nossas escolas particulares que possuem todo confort mensalidades pagas, material didático de primeira, pais que levam e buscam os filhos na escola, ou até o transporte por meio de vans, lanche diário no recreio, tempo todo disponível para os estudos, internet em casa e tudo o mais que facilita a vida escolar. E, infelizmente, nem todos valorizam a oportunidade que a vida lhes dá e que é tão almejada por tantos, como aquele jovem, que contam apenas com as próprias forças, na premência do trabalho para manter-se.      

Fiquei pensando, ainda, sobre a maneira como determinados jovens tratam pai e mãe, com grosseria e desdém, como se estudar fosse um favor que estivessem fazendo, e não empreendimento para suas vidas futuras. Jovens que parecem desconhecer as dificuldades que tantos outros enfrentam, muitos, arrimos de família ou arrimos de si mesmos, com trabalhos tantas vezes pesados e insalubres, e sem a mínima condição de prosseguir os estudos: a precisão de sobrevivência elimina qualquer outra aspiração.

É a vida dos desiguais: dos que almejam, mas não podem, nem conseguem; dos que podem, mas não querem e nem valorizam os regalos com que foram presenteados na existência. Enquanto isso, no nosso imenso Brasil, tantos outros jovens, como o de minha história, continuam brigando com a vida, tentando driblar os embates e as rasteiras que surgem, de muitos extraindo a disposição e a coragem para prosseguir, de outros, os valentes, agindo como combustível existencial, para impulsionar o ânimo em perseguição extenuada por melhores caminhos. Estes, com certeza, serão vencedores; aqueles, talvez, apenas sobreviventes...

 

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. [email protected]

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