ARTICULISTAS

O que fizeram de meus livros?

A vida ao redor de nós passa depressa demais. Ninguém mais fala em enceradeira

Padre Prata
Publicado em 04/12/2010 às 20:31Atualizado em 20/12/2022 às 02:53
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A vida ao redor de nós passa depressa demais. Ninguém mais fala em enceradeira, em gramofone, em vitrola, em dentifrício, em automóvel, em sanfona, em patinete, em caneta-tinteiro, em mata-borrão, em goma arábica. Falamos hoje uma linguagem desconhecida há 50 anos. Daqui a uma ou duas décadas, nossos instrumentos de trabalho serão outros, coisas inimagináveis.

Tudo isso me veio à imaginação ao ler uma notícia que me assustou. Não entendo nada de eletrônica. Não sei de que se trata quando ouço ou leio notícias com nomes estranhos como iPod, iPad, iPhone. Isso para mim e chinês dá no mesmo. Pois bem, leio uma notícia que em breve será lançado no Brasil um acessório de computador que são verdadeiras bibliotecas. Esses artefatos dispensarão os livros. Estarão ao nosso dispor tudo o que de mais importante foi publicado no mundo, desde o “ditado” de Tiririca até às obras completas de Aristóteles e Platão. Milhões de pixels farão com que as coisas cheguem até nós com uma nitidez jamais vista.

Assim sendo, os livros vão sendo esquecidos, resguardados nos museus como as múmias de Nefertiti e de Ramsés II.

Não sei bem por quê, estas reflexões me levam a um filme de Jean-Luc Godard, “Alphaville”. Trata-se de uma cidade governada por um computador que transforma em crimes as emoções humanas, como “amor”, “consciência”, “compaixão”. Nessa cidade, os livros foram eliminados.

Ler um livro seria a mesma coisa que me tornar vidrado diante de uma tela? Um dos prazeres do mundo é ler um bom livro. A gente lê, volta atrás, sublinha palavras, faz anotações nas margens, relaciona com outros livros. Como fazer isso num computador?  Como reler um livro que se leu há vários anos? Concordamos ou mudamos nosso modo de pensar? Parece que o livro tem alma, você não acha? E o computador?

Terminei de ler um livro de um teólogo espanhol, “Jesus, aproximação histórica”, de J.A.Pagola. Talvez o melhor livro que já li sobre essa personalidade fantástica que se chama Jesus. É um texto teologicamente muito avançado que põe os acontecimentos nos devidos lugares e sentidos. Não é um livro muito ao gosto da Cúria Romana, mas abre horizontes insuspeitados.

Teria o mesmo sentido, nos tocaria tanto se viesse até nós numa tela eletrônica? O livro tem alma. É o que sinto. (*) [email protected]

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