Jamais passou por minha cabeça viver tanto tempo. Inicio o ano de 2011 com 88 anos de idade
Jamais passou por minha cabeça viver tanto tempo. Inicio o ano de 2011 com 88 anos de idade. O que me resta é muito menos do que já passou. Por quê? Para quê? Não sei. Só Deus sabe e não compete a mim desvendar seus desígnios. Talvez alguém que não sei quem necessite de mim.
Não sei mais se ainda devo manter esperanças de que este mundo melhore. Não sou pessimista, mas tenho a impressão de que os homens estão cada vez mais violentos, mais duros, mais agressivos, mais vingativos, mais intolerantes. Brutalidade virou sinônimo de ser homem, e ternura virou sinônimo de efeminados.
O que acabo de escrever me leva até 1940, no meu último ano de colegial. Era um adolescente. O professor de religião pediu que dissertássemos sobre as principais virtudes que deveriam caracterizar a vida de um bom padre. Fiz uma lista daquelas que me ensinaram ser as mais importantes. Em primeiro lugar, a obediência, virtude principal para os padrões autoritários da época. Obediência cega aos superiores; eram eles os representantes de Deus. Segundo nossos superiores (o poder), a voz dos superiores era a própria voz de Deus. Padre santo era aquele que dizia sempre “amém” ao superior, que nunca discutia suas ordens, mesmo as mais absurdas. Ensinavam que os superiores recebiam os dons do Espírito Santo. Por isso a pessoa do superior era reverenciada com muita fé, era depositária dos dons do Espírito Santo.
Além dessas virtudes, devo ter elencado a humildade e mais uma, duas ou três, inclusive a ternura. Foi aqui que o caldo entornou. O professor não gostou, escrevendo ao lado com tinta Nanquim vermelha e em bela ortografia o seguinte: “Ternura é virtude feminina”. Por aí se vê que aquele meu professor era rude, ignorante, grosso, mal-educado e machista.
Ainda existem muitos gestos de ternura entre nós. Ainda existe muita gente boa no mundo. Muita gente educada. Mas, de um modo geral, o mundo está se tornando muito violento. Marcado por discriminações absurdas. (Apedrejar a mulher porque traiu o marido? Por que não apedrejar o marido que traiu a mulher?). Ainda há muita cultura no mundo que prega a superioridade masculina como se os direitos do homem fossem maiores que os das mulheres. Ainda existe muito machismo entre nós, inclusive na Igreja. Não se pode ordenar mulheres porque Jesus só escolheu homens para seus apóstolos. Só que se esquecem de que os homens que Ele escolheu eram todos casados e tinham profissão. Sendo assim, o tão famoso argumento que usam deveria valer para outros sentidos. Contra o celibato, por exemplo. O argumento claudica.
Ternura é uma autoridade sem grosseria. É o contrário da agressão, da brutalidade, da falta de educação, da estupidez. Há um tipo de homossexual estrutural que se revela pelas atitudes grosseiras, pelas respostas duras, sem compaixão, ferinas. Ternura tem muito a ver com compaixão, com tolerância, com compreensão, com equilíbrio interior, com afetividade educada. Como ser um bom padre sem ternura? Como ajudar o outro sem ternura? Como dar uma orientação sem ternura, só para se ver livre do problema?
Não consigo encontrar no Evangelho gesto de maior ternura do que o encontro de Jesus com a mulher adúltera. “Mulher, ninguém te condenou. Eu também não te condeno. Vai para sua casa e não faça mais isso”.
É pena que aquele presidente do Irã, aquele de barba e bigodinho, não tenha tido a oportunidade de ler o Evangelho.