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O mito dos três poderes e a caverna de Platão

É por demais conhecida a alegoria de Platão, filósofo grego do século V a.C.

Savio Gonçalves dos Santos
Publicado em 10/12/2011 às 19:33Atualizado em 19/12/2022 às 21:04
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É por demais conhecida a alegoria de Platão, filósofo grego do século V a.C., onde ele remonta, no livro VII da República, a situação humana diante da busca pela verdade. A alegoria apresenta a ideia de que parte da humanidade estaria presa numa caverna, acorrentada, vendo, através de sombras refletidas na parede, o que julgavam ser a realidade. Em verdade, as sombras nada mais eram do que representações das pessoas, ou mesmo dos objetos, presentes fora da caverna. Apesar de apontar uma hipótese, na qual Platão explica a ignorância humana, a filósofo tem como objetivo mostrar que a verdade é uma constante na vida da humanidade sendo, em boa parte das vezes, ignorada, ou mesmo omitida por conta de apreensões variadas.

Ao colocar o título desse artigo como o mito dos três poderes e a caverna de Platão, se pretende mostrar como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, por vezes, representam a verdadeira caverna de Platão. Essa análise pode ser feita de duas maneiras: primeiro se pensar os três poderes numa mesma caverna; em segundo, tomar cada poder com sua caverna específica.

Num primeiro momento, ao se colocar os poderes numa mesma caverna é possível observar como se portam: o Legislativo é a pessoa sentada, onde as mãos, o Executivo, amarradas pelo Judiciário, as correntes. As sombras refletidas demonstram a realidade “enxergada” pelos poderes, e o sentar é o modo como agem. As funções estão truncadas, e a ação debilitada pela falsa sensação da realidade, sem mencionar aqueles que incentivam o processo a ficar como está. Os poucos que se atrevem a mudar, a se libertar e a sair da caverna em busca de mudança, são taxados de traidores; e se por acaso voltam, para promover uma reflexão de modificação, apontando a realidade e a verdade, são mortos pelo processo, ou pelos trâmites que sustentam o mito.

Quando tomados individualmente, os poderes criam suas próprias cavernas, onde infindáveis regras, normas, preceitos e ações passam a definir o que é a realidade. Tudo é explicado, nada é comprovado e pouco se faz para que a mudança realmente aconteça. O que talvez se promova é a mudança de correntes, o afrouxar de certos elos, ou o estabelecimento de alguns, para que se chegue o mais próximo da realidade, para observá-la, perceber a dificuldade e os problemas, e voltar para a “segurança” da caverna.

A verdade, outrora busca da filosofia, hoje relegada a artigo de luxo de virtudes inglórias, não se apresenta como parte da caverna. Ela é sempre um problema, uma dificuldade, onde o que convém para manter a “verdadeira realidade” é dizer que nada se sabe, garantindo assim, a verdade pessoal.

Não se pode negar, evidentemente, a não participação daqueles que estão de fora do processo. Por vezes, os que estão enxergando essa realidade, não possuem a coragem, ou mesmo meios, de adentrar a caverna para transformar a realidade. O que se vê, em suma, é a vontade e a certeza, de que estar do lado de dentro é a melhor maneira de resguardar dos “problemas” da sociedade verdadeira. Entrar na caverna e se acorrentar tem se tornado o passo mais significante que a humanidade tem dado para a busca do bem-estar. Afinal, é preciso garantir os direitos individuais, antes que os coletivos os suplantem. Já imaginou se a caverna fecha?

(*) Mestre em Filosofia, membro da comissão de avaliadores do MEC e professor universitário

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