A sua carapaça lhe dá um ar de lentidão, de preguiça. Arrasta-se, não se olha, às vezes para e volta a andar, numa indiferença que o faz diferente
A sua carapaça lhe dá um ar de lentidão, de preguiça. Arrasta-se, não se olha, às vezes para e volta a andar, numa indiferença que o faz diferente. Talvez ao dormir sonhe com ratos agressivos atacando-o. Mesmo escondido em sua carapaça alta, provida de escudos poligonais, de centro amarelo e com desenhos em relevo; cabeça retrátil, coberta por escudos amarelos e negros, não o torna invulnerável a ataques. Quando o jabuti vê o mundo, pergunta por que tanta pressa e volta a se locomover em movimento retilíneo, lento, sem pressa de chegar, enquanto que outros já chegaram e esperam. Ele é lento demais – pensa o menino, observando o seu brinquedo. Entretanto, não há lentidão nem preguiça, há algo mais forte, chamado natureza. E as duas naturezas se confrontam. O jabuti, com a sua cara pontiaguda e de nariz inexistente, observa o menino, de pernas grossas, apressado, que se apaixonou por ele, incomodamente.
O réptil e o mamífero se veem. O menino mamífero aprendera a brincar. Quem cresce amamentado descobre a brincadeira. Com os seios em bocas, esguichos em lábios, língua sugando, faz dos seios seu primeiro brinquedo, que o sustenta e lhe dá calor. Os mamíferos sabem brincar. O réptil não, porque nunca mamou.
O menino olha o jabuti e quer brincar. Quer tê-lo como seu animal de estimação. Mas o que vale um animal de estimação para uma criança que não pode brincar com ele, tocá-lo, pô-lo no colo e dizer que o seu bicho predileto é tal. Dizer isso entre amigos, que se é observado por quem fala com os olhos de bolinhas de gude.
Qual criança que não brinca? Qual brincadeira que não vem de criança para ser lembrada em infância madura, quando as esquinas se tornam tão estreitas que o passado está prestes a ultrapassar o presente? Como criança, brincava com o jabuti. Por isso largou a finca guardada na gaveta da cozinha, a pipa não alçou ao céu, o pião rodando não subiu à mão e os betes ficaram jogados num canto, que nem mais se lembra onde. Mas lembra do jabuti saindo de sua casinha; esticava as perninhas e as suas mãos se estendiam em patas, acariciando o desejo escondido. Mas não se iludia; ganharei a confiança – insistia, porque era a sua estimação. Olhos pequenos, olhando em olhos pequenos que não se miram, se afugentam. Não havia gosto melhor quando colocava o jabuti no colo e permitia que ele saísse de sua casinha, que tinha como desejo conhecer. Brincava com o jabuti como se brinca com as palavras e os pensamentos, que podem se transformar em lembranças, em crônicas ou em relatos em rodas psiquiátricas.
Separaram-se. Um cresceu e o outro envelheceu, mantendo o tamanho.
Quando em roda de amigos descobriu que jabuti não brinca, porque não é mamífero, puxou um sorriso de saudades de seu jabuti, que brincava de se esconder.
(*) professor