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O Leilão e a Saudade

Foi publicado, recentemente, o edital de leilão do prédio do Grande Hotel, Cine Metrópole e Galo de Ouro

Mário Salvador
mariosalvador@terra.com.br
Publicado em 14/12/2010 às 18:30Atualizado em 20/12/2022 às 02:40
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Foi publicado, recentemente, o edital de leilão do prédio do Grande Hotel, Cine Metrópole e Galo de Ouro. Empreendimentoarrojado para a época, o prédio, construído em 15 meses, foi o primeiro do Triângulo Mineiro e um dos melhores hotéis do Brasil Central; teve sua fachada projetada por uma firma alemã e foi inaugurado em 1941.

Por vários motivos comecei a recordar-me dos domingos com vesperais dançantes (ao som da orquestra do maestro Vilaça), um aperitivo para a sessão cinematográfica. Um luxo, sem dúvida, para a juventude da época.

As sessões noturnas do Cine Metrópole, concorridíssimas, faziam as filas dobrarem a Artur Machado e, do outro lado, a Segismundo Mendes, qualquer que fosse o filme.

Lembro-me de ter visto, no cinema, várias vezes, uma placa (Onde estaria ela hoje?) com os dizeres: “Tito Schipa cantou neste cinema.” Tito (1888-1965) foi um dos tenores italianos mais importantes do Século XX.

Na majestosa sala do Cine Metrópole foram realizadas todas as formaturas das faculdades de Uberaba, por um bom tempo, com as normais confusões para os cumprimentos aos formandos, ao término das cerimônias, no saguão ou na porta de entrada do cinema.

O Restaurante Galo de Ouro também marcou época. Era o local de encontros importantes. Os Clubes de Serviço – Lions e Rotary – realizavam ali suas reuniões semanais. E os hóspedes do Grande Hotel, que hospedou o então presidente Getúlio Vargas e outras tantas autoridades e pessoas famosas, ali faziam suas refeições.

O córrego da Leopoldino de Oliveira era aberto e tinha muretas de proteção, estendendo-se da praça do Mercado  até a rua Senador Pena, onde acabava a avenida.

Essas recordações me levam à rua Artur Machado, nas proximidades da praça Rui Barbosa, e me vejo na Sorveteria Linde, com a Mariinha e companheiras se desdobrando para atender à enorme clientela. Ali também havia, nas portas, filas de fregueses à espera de uma mesa. Com um delicioso sorvete, a Linde era ponto obrigatório da sociedade uberabense, principalmente aos domingos, antes e depois das sessões do Metrópole.

E a Mariinha da Linde? Pequenina e de uma eficiência a toda prova. Foi minha vizinha nas Mercês. A mãe, Dona Rufina, bem idosa, ficou acamada por uns tempos. Vez em quando eu a visitava e ia até o quintal, que tinha noventa metros de fundo e era cheio de árvores frutíferas, inclusive a de mexericas enredeiras.

Um dia apanhei uma dessas mexericas, saboreei-a e fui me despedir da Dona Rufina, acamada, mas com o nariz em dia. “Pois é, Dona Rufina, os passarinhos estão acabando com as mexericas”, disse-lhe eu. E a observação veio ferina: “E não são só os passarinhos, não!” Ai, que vergonha! Restou a saudade imensa do puxão de orelhas bem dado.

E se os rapazes subissem até a praça Rui Barbosa, ainda com a fonte luminosa funcionando e uma banda no coreto aos domingos, estariam no passeio, observando as moças passando. Como, em geral, as moças moravam nos bairros, que ficavam nos sete pontos mais altos da cidade, algum rapaz mais atirado lançava a elas o convite: “Posso subir?”, na esperança de ele poder subir o morro bem acompanhado.

É certo que, na Rui Barbosa, muitos casais se formaram no footing, palavra importada do inglês para designar o passeio a pé, especialmente com o objetivo de arrumar namorado. E havia muito respeito e cuidado nas abordagens.

Agora um leilão vai marcar o fim daquele tempo que, pleno de histórias, deixou saudades a muitos uberabenses.

(*) membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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