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O historiador hoje

Estimado leitor, faz tempo que a História não é mais coisa do passado e que os historiadores passaram a ser vistos de forma bem diferente.

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 13:43
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Estimado leitor, faz tempo que a História não é mais coisa do passado e que os historiadores passaram a ser vistos de forma bem diferente. Em outro artigo, intitulado O passado está na moda (Jornal da Manhã, 06/07/2008), fiz algumas observações que intencionavam mostrar o quanto a sociedade atual tem se interessado em compreender melhor os temas históricos.

O papel do historiador mudou muito em razão da popularização da história. A primeira grande mudança que se pode perceber é que o cotidiano foi “descoberto”, tornando a História mais atraente para o grande público. As reflexões históricas produzidas na atualidade não se preocupam mais só com grandes guerras, heróis, seitas secretas, cultos medievais etc.

Nos últimos anos, a História descobriu o campo cultural, em que é possível analisar diversos fenômenos que ainda não haviam sido estudados. É por isso que vários outros temas se tornaram objetos de estudos dos historiadores, como, por exemplo, a história do vinho, do aborto (tema de enorme repercussão nos dias atuais), das mulheres, da juventude, do medo, do perdão, das cidades.

Em função dessas mudanças no rol de temas abordados pela História, foi preciso também questionar o tradicional papel do historiador. Este, hoje, não pode mais apenas narrar os eventos históricos sem conectá-los uns aos outros. É vital que, na sua formação intelectual, haja espaço para a interdisciplinaridade, pois um historiador que não entenda, por exemplo, de Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psicologia, entre outras ciências, está fadado a análises estéreis. Torna-se cego e vazio.

Sabemos que o estudo do passado não pode ser feito diretamente, mas mediado pelos vestígios da atividade humana, as chamadas fontes históricas. Para que o historiador pudesse interpretar corretamente a relação do homem com seu tempo, foi preciso alargar o seu tradicional conceito.

Antes, as fontes históricas referiam-se apenas a documentos oficiais e era imprescindível que possuíssem algum tipo de chancela: do Estado, do rei ou de algum critério de autoridade qualquer. Hoje, uma gama muito grande de fontes históricas é levada em conta na hora de o historiador se debruçar sobre o passado.

Álbuns de famílias, fotografias de diversas naturezas, escritos literários, grafites, letras de música, testemunhos orais, entre outras fontes, passaram a ser vistos como lugares de memória. Desconhecê-los é demonstrar ignorância metodológica.

Outro problema, esse de difícil solução, está entre as inúmeras funções de um historiador: analisar, interpretar e construir significados sobre o ser humano e sobre as suas ações dentro de um contexto histórico e de acordo com o seu tempo.

Entrementes, não podemos deixar de lembrar que o historiador, por mais óbvio que isso possa parecer, é um ser humano, e por isso deve também ser compreendido como fruto de seu tempo histórico. Suas incursões intelectuais e seus trabalhos estão em permanente diálogo com a realidade que o cerca.

Por isso, o bom historiador deve se preparar para ser, antes de tudo, um militante, como, aliás, preconiza o francês Roger Chartier, o mais importante historiador vivo. Dessa afirmação, decorre o fato de que não se formam bons historiadores em gabinetes luxuosos, mas na prática diária. A questão é: os cursos que formam historiadores já se deram conta disso?

(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira e da Facthus

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