ARTICULISTAS

O catira na Casa do Folclore

Por ser menino era levado e o castigo era ficar no quarto. Ali começava o seu gosto pela música, pela cultura e o conhecimento do mundo

Gilberto Caixeta
Publicado em 04/05/2010 às 20:28Atualizado em 20/12/2022 às 06:42
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Por ser menino era levado e o castigo era ficar no quarto. Ali começava o seu gosto pela música, pela cultura e o conhecimento do mundo. De dedos pequenos torcia o dial do rádio procurando uma voz que pudesse preencher o vazio daquele quarto, marcado por paredes descascadas. No cantinho ficava o rádio do avô, deitava na cama larga de capim, ajeitava o travesseiro de penas e ficava, assim, ouvindo a Voz do Brasil, os clássicos da rádio Nacional e terminava ouvindo ao longe as modas de viola, até que seu avô o acordava para ir para o seu quarto.  À época ele tinha 11 anos, e passou um ano trabalhando na fazenda do avô, Manoel Rezende, para "criar juízo". Essa fase marcou sua vida, deixou o Colégio Diocesano e a boa-vida para levantar de madrugada, cuidar do gado, tirar leite, viver com os pés sujos de barro... A sua alegria se completava ao entardecer dos finais de semana quando a peãozada se reunia, depois do trabalho, e a viola chorava acompanhando o choro melodioso do cantor ao retratar a vida no campo. Quando não eram as folias de reis, o catira. Era o céu para ele. É esse cheirinho de infância, de contato com a terra, de conviver com o mundo rural, que ele sente nas manifestações de cultura popular. Assim, talvez, comece uma parte da história deste empresário que a todos encanta, não só pelo seu empreendedorismo, mas subliminarmente, pelo seu gosto irretocável pela cultura, em especial pelo catira.  No final da semana passada os uberabenses e os apaixonados por catira (dança originária na relação cultural entre jesuítas e índios) foram brindados com o Festival Nacional de Catira, quando 12 grupos se apresentaram para um público que interagiu, que gritou, bateu palmas, tentou dançar enquanto o catira “metralhava” o tablado do  Palácio de Cristal, local do evento na Casa do Folclore. É inenarrável a apresentação da bailarina – filha de Nicodemos – com o catira Romeu Borges. Ele de corpo arriado forçando suavemente as pernas para o catira, enquanto que ela esquia, flutuava seguindo o seu ritmo. Inacreditável. Se índios e jesuítas fundiram o catira, a bailarina – Nathalie e Romeu Borges externaram o belo, na mais pura concepção da beleza. Este festival não seria possível sem que o seu idealizador tivesse agido e encontrado apoio na Petrobras, através de um projeto cultural elaborado pela competente Lisete Resende, da Fundação Cultural de Uberaba. Tem que se pensar agora como um Festival perene. A felicidade não pode ser uma lembrança apenas, mas a expectativa de se ter novamente.

Talvez Gilberto Resende, o anfitrião e idealizador do Festival, tenha se lembrado daquela noite na fazenda, dos peões, dos catiras sorrindo, e se viu menino marcado pelo cheiro da natureza, pela suavidade das cores, pela labuta formadora de sua inteligência, e deve ter agradecido a Deus por tudo. Enquanto nós deliciávamos com a pureza da felicidade cravada por um sapateado, ópera aos ouvidos daqueles que buscam na cultura um pouco de si no outro.

Valeu e muito, mas agora queremos mais.

 

(*) professor

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