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Tempos de gasogênio e tempos de etanol

José Humberto Guimarães
Publicado em 11/08/2022 às 19:12Atualizado em 18/12/2022 às 21:14
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A crise provocada pela interminável guerra na Ucrânia e suas malévolas consequências poderão exigir imprevisíveis mudanças de hábitos em nosso planeta. Em função disto, ponho-me a pensar o que pode acontecer no mundo caso possa vir a ocorrer racionamento de combustíveis fósseis, limitando conforto, trabalho e locomoção de populações.

Foi durante uma destas reflexões e diante de uma incomum cena urbana ocorrida recentemente, proporcionada por um antigo caminhão oferecendo lenha à população pelas ruas da cidade, que me levou a buscar na mente a lembrança de um tempo, não tão longínquo na história do país, que ainda está viva na memória de algumas pessoas: a turbulenta crise provocada pela segunda guerra mundial (1934 a 1945) e seus reflexos nos anos subsequentes, quando o governo brasileiro racionou o consumo de gasolina no país. Foi um transtorno, mesmo tendo-se em conta que a frota de carros motorizados não era grande.

Naquela época, justamente a lenha, produto abundante e amplamente utilizado como material gerador de energia para o cozimento de alimentos e aquecedor de água para uso doméstico, teve a sua utilização ampliada para servir como combustível de veículos motorizados. Sim, veículos importados fabricados para funcionarem com gasolina foram adaptados para rodarem movidos a lenha. Um equipamento especialmente construído para tal – o gasogênio, também chamado de gaseificador, dotado de dois cilindros e acoplado na traseira do veículo, era abastecido com uma certa quantidade de toquinhos de madeira ou carvão, os quais, incendiados, produziam gás combustível para alimentar motores de combustão interna. Para motoristas, eram indispensáveis uma caixa de fósforo e um porta-malas espaçoso; aquela, para reascender o fogo, e este, para estocar a lenha destinada ao reabastecimento do gaseificador depois de percorridos cerca de 70 quilômetros, consumindo 22 quilos de madeira.

Na atualidade, caso ocorresse um racionamento de gasolina, seria impraticável a reaplicação deste anacrônico modelo de produção de gás, tanto pela sua complexidade quanto pelo alto custo de equipamentos para produzi-lo, cerca de 150 mil reais por unidade. Nem tampouco haveria lenha suficiente para suprir a frota de veículos.

Também não é de se pensar que a escassez da gasolina poderia levar ao retrocesso da utilização de coches e carruagens para transporte de pessoas, embora tenhamos na cidade carroças e charretes rústicas e uma razoável tropa de equinos para tracioná-las.

Nos tempos atuais, na eventualidade de aqui se racionar gasolina e óleo diesel, temos o etanol abundantemente extraído da cana-de-açúcar e agora também do milho.

De qualquer forma, por precaução e devido aos altos custos do petróleo, muitos veículos a gasolina já estão sendo substituídos, não pelos carros movidos a carvão, mas sim pelas conduções movidas a capim. Um meu amigo sitiante confessou-me que já faz uso da carroça nas suas circulações rurais e até já sente saudades daquelas cozinhas do século passado, tendo um fogão com braseiros permanentemente acesos e fumaça esparramada por toda a casa.

Conduções movidas a capim estão em ascendência. Recentemente, encontrei-me com um outro sitiante, que estacionou o seu cavalo na porta de um supermercado e veio até a mim para me cumprimentar. Acabou de aposentar a motocicleta e voltou aos tempos antigos, quando cavalgar era um excelente meio de transporte, além de chique e elegante. E agora? Vamos voltar ao passado ou projetar o futuro?

José Humberto Guimarães

Consultor para parcerias e arrendamentos rurais

Ex-secretário de Agricultura de Uberaba

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