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A revogabilidade da adoção

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 14/06/2021 às 06:48Atualizado em 18/12/2022 às 14:40
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Um dos mais belos institutos do direito civil é a adoção, símbolo da doação e do amor ao próximo.

Assim, com o objetivo de serem reconhecidos os laços afetivos filiais e não biológicos existentes entre duas pessoas, a lei civil criou a possibilidade de legalizar esta relação, através de rígidos procedimentos, onde se busca resguardar os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente, propiciando no registro de nascimento a colocação do nome dos adotantes, com fins de legalizar e assegurar os direitos relativos; e, consequentemente, extinguir o poder familiar dos pais biológicos.

Não se pode negar o entendimento de que é regra a irrevogabilidade da adoção, mesmo que de uma maneira genérica; todavia, podemos encontrar alguns casos excepcionais onde ocorreu a flexibilização desta rigidez.

E para melhor ilustrar esta situação, podemos citar um caso, recentemente apreciado na Corte de Jurisprudência que apesar de todo o rito judicial, não houve cumprimento da exigência legal da apresentação do consentimento do adotado com relação à adoção, maculando todo o procedimento.

O consentimento deve ser apresentado no curso do processo, mesmo que de jurisdição voluntária.

E por obvio este consentimento deve ser verdadeiro, não cabendo posteriormente ser validado uma vez descoberto não ser autêntico o apresentado à época.

Apresentado o recurso para que fosse rescindida a sentença que concedeu a adoção, ao fortíssimo argumento de que o consentimento do adotado apresentado no curso da ação não era verdadeiro, o que configura falsidade ideológica, e por si só revela a índole e total desrespeito ao adotado, não fazendo mesmo os adotantes jus ao pleito.

Atingindo a maioridade o adotado participou legalmente da ação que pretendia a rescisão da adoção, concordando integralmente com o pedido; e frente aos princípios que regem a adoção e restando comprovado que o consentimento apresentado à época revelou-se falso, outra decisão não poderia ser do que a revogação da adoção.

Esta excepcionalidade não descaracteriza a irrevogabilidade da adoção, haja vista que a realidade se impôs com a verdade vindo à tona; e de mais a mais é necessário o total respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Não se pode admitir a fraude perpetrada pela parte com o objetivo de alcançar a procedência do pedido. Ao contrário, deve mesmo o poder judiciário atender aos princípios do instituto sob pena de desconfigurar a sua finalidade protetiva.

A atitude dos adotantes, quando anexam ao pedido de adoção um consentimento falso, vislumbra um total desrespeito ao adotado, o que sem sombra de dúvida impedi o desenvolvimento de qualquer vinculação afetiva entre as partes e até mesmo de uma personalidade sadia pelo adotado, em uma teia de mentiras.

Tanto isto é verdade, que restaram comprovados no processo o comportamento rebelde do adotado para com os adotantes, desde o início, acabando por concluir que não era seu desejo estar com aquela família mesmo.

De mais a mais, a importante lição deste julgado é de que a adoção pode ser rescindida quando não cumprida os pressupostos legais que a lei exige e que devem ser provados e serem verdadeiros à época. Mesmo que a letra seca da lei diz ser irrevogável a adoção, a interpretação do direito deve ser feita levando em consideração todo o sistema em que ele se encontra inserido sob pena de não se fazer a verdadeira justiça e a interpretação isolada não expressar os verdadeiros valores de uma sociedade.

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. https://www.monicaceciliorodrigues.com/

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