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Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 09/04/2021 às 20:04Atualizado em 19/12/2022 às 03:56
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Foi destacado para atuar no setor de informações do Fórum da Justiça local. Era pessoa muito sensível, já vivida. Na prática era visto como o porteiro. Quase não era notado. Por essa situação, tranquilo assistia a diversos episódios. Muitas vezes, era como se existência não tivesse. Ouvia conversas próximas de quem o ignorava como vivente. Tratavam de ajustes e transações muitas vezes tenebrosas. Percebia gana de vingança, arroubos de ambição, invejas, vaidades, eventualmente algum remorso emergia. Havia sempre muito lamento. Enfim, já podia notar até o invisível daqueles corredores do prédio. Muito desacerto de pendências por ausência de bom senso ou de boa-fé. E já chegara à conclusão de que a Justiça só se consolidava quando havia acordo. A sentença, na realidade, nunca era plenamente justa, pelo menos para uma das partes, senão quando, muitas vezes, para nenhuma. Era apenas a imposição do Estado. Ele também já ouvia o inaudível naqueles vãos do Fórum, o que, se fosse decifrado, assustaria muita gente, decepcionaria outras, desanimaria tantas. Contudo, a Justiça, como entendida pelo povo, concretizava-se firme sob o manto da aparente grandeza. Na sua plena pureza, ninguém cria. Enfim, sabia que, embora o resultado do contexto tivesse efeito prático, até eficiente, na verdade, aquela casa não tinha em si a alma de Têmis. Os fantasmas que rondavam ali, muitos resgatando dores do passado, eram múltiplos e de vários propósitos. Certo dia, depois de assistir à cena de dor e lamento da família de uma vítima, emocionado em seus sentimentos, escreveu: “FÓRUM/ Sonhos que se dissipam nos corredores do Fórum/ sonhos triturados, cujos fragmentos são espalhados nos corredores do Fórum/ lágrimas que escorrem nesses corredores de lágrimas/ sangue que jorra como em veias e artérias partidas nesses mesmos corredores/ pobres prejudicados pelos ricos/ ricos atingidos pela inveja, ou pelos bandidos/ dores de todos/ aflições manifestas em gritos contidos/ agonia/ angústia latente nos profissionais pela razão, pela solução/ anseio da conquista, da liberdade, do equilíbrio, da paz/ Mas realidade de lide, resistência de luta constante entre o bem e o mal, redigida em leis feitas também entre o bem e o mal/ HOMENS QUE DEUSES NÃO SÃO, JUSTIÇA QUE DEUS NÃO É!”

Ricardo Cavalcante Motta - Juiz de Direito

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