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Em que a educação de Uberaba dialoga com a de Urussanga?

Abigail Emília Bracarense
Publicado em 16/10/2021 às 12:16Atualizado em 19/12/2022 às 01:44
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Estranhei quando, ontem, comecei a ler um Projeto de Lei (PROLEI Nº 493/2021) que tramita na Câmara Municipal de Uberaba, de autoria do vereador Pastor Eloisio Santos, que versa sobre o “direito dos estudantes ao aprendizado da língua portuguesa”. Como assim? Por um lado, a Constituição Federal, marco normativo de primeira geração da educação brasileira, em seu artigo 210 § 2º, já prescreve que “o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa...” Por outro lado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de Nº 9.394/96, marco normativo de segunda geração, põe em evidência o papel inclusivo do ensino em língua portuguesa na educação no país. Neste início de conversa, pode parecer que falo de uma questão óbvia, mas não é.

Acontece que determinadas situações requerem não apenas “ensinar” a língua, mas também envolver o aprendiz nos saberes culturais que um idioma oferece, atingindo de certa forma o biculturalismo. No território brasileiro depara-se, diversas vezes, com a contingência de uma “educação minoritária” como no caso de grupos oriundos de comunidades indígenas ou grupos de imigrantes, por exemplo. São grupos que vivenciam suas línguas maternas e seus processos próprios de aprendizagem.

Dizem respeito a contextos, inseridos em uma realidade mais ampla, que criam um dado e específico espaço social em que coexistem duas ou mais línguas: a de origem do grupo minoritário, prevalente, porque utilizada em situações informais e privadas do cotidiano desses sujeitos, e o português, língua adotada no caso da educação formal, em função do patrimônio sociocultural nacional. De um lado, uma língua com potencial de ser reprimida e eliminada; de outro, aquela que deve ser fomentada e ensinada. Identifica-se, então, nos grupos minoritários, de geração em geração, o propósito de se preservar e promover o direito humano de uso da língua falada pela comunidade de origem ao lado de outro direito, o das novas gerações, de se inserirem na vida social e produtiva da sociedade em que vivem e, dessa forma, exercerem sua cidadania.

Feitas essas considerações iniciais, desembarco em Urussanga, município com 21.344 habitantes, segundo dados de 2019 (IBGE). Conforme se lê em verbete da Wikipédia, é considerado o maior núcleo colonial italiano do sul de Santa Catarina. As primeiras famílias chegaram à colônia de Urussanga, fundada pelo Engº Agrimensor do Império, Joaquim Vieira Ferreira, em 26 de maio de 1878. Vieram do norte da Itália, mais especificamente do Vêneto, Lombardia; orgulham-se da sua condição de cidade-irmã de Longarone, comuna italiana da região do Vêneto, província de Belluno, com cerca de 4.119 habitantes.

A partir daí, ficou fácil compreender por que, em 20/09/2021, a Câmara Municipal de Urussanga aprovou, e o prefeito sancionou, a Lei Nº 2.997/2021, que

Garante aos estudantes do Município de Urussanga o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais acerca de educação, nos termos da Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e alterações posteriores, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) e pela gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Disponível em https://www.camaraurussanga.sc.gov.br/proposicoes/Lei-ordinaria/2021/1/0/3983 Acesso em 13.10.2021

Em relação aos estudantes de Urussanga, habitantes de um núcleo colonial com fortes e vivas tradições italianas, cabe zelar pelo direito à inserção deles na sociedade brasileira por meio da referida lei. Ora, o PROLEI Nº 493/2021, que tramita na Câmara Municipal de Uberaba, de autoria do vereador Pastor Eloisio Santos, é uma cópia quase que “ipsis litteris” da lei aprovada em Urussanga em 20/09 pp, ainda que as condições socioculturais dos dois municípios sejam completamente diferentes. Isto é, ainda que os condicionantes das duas decisões legais – a que se busca em Uberaba/MG e a que se tomou em Urussanga/SC – não tenham similaridade nem vaga convergência.

Digo cópia quase que “ipsis litteris” porque na ementa do projeto de lei do edil uberabense foi alterado o trecho presente na Lei de Urussanga “de acordo com as normas e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais acerca de educação, nos termos da Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e alterações posteriores”, o que faz muita ou toda a diferença. Mas isto é objeto de uma “análise de conteúdo” acerca do que vejo por trás da lei proposta para a situação do município, estudo que se encontra em fase final de elaboração e que será encaminhado à Câmara Municipal e à Semed Uberaba.

Abigail Emília Bracarense

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