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O movimento das árvores

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 23/02/2021 às 19:49Atualizado em 18/12/2022 às 12:21
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Foi outro dia que descobri o verdadeiro sentido da existência das árvores: a manifestação plena do movimento. Ao contrário do que muita gente imagina, as árvores se movimentam, elas nos mostram infinitas possibilidades de acenos, animação, e são capazes de deslocamentos incríveis. Elas simbolizam o balé da vida, a beleza da dança, a espontaneidade caótica dos balanços ao sabor dos ventos. Mas é preciso querer ver!

Eu olhava um grupo de árvores e, de repente, confirmei sua exuberância e magnitude. Embaladas pela brisa suave, elas se mexiam de um lado para o outro, sem lógica aparente, sem cadência rígida, gesticulavam, moviam-se com incrível flexibilidade, para cima e para baixo, para os lados, coreografia despretensiosa de galhos, folhas, tronco e flores. Agitavam-se em todas as direções. Às vezes, o balé se interrompia como num intervalo, um instante de suspense; depois, recomeçava, ao comando do maestr o vento.

Observei que algumas folhinhas miúdas dançavam sozinhas. Pareciam primeiras-damas do balé clássico com seus giros, saltos, infinitas rotações, intermináveis giros, enquanto existisse vento e mesmo sem ele. Parecia que elas decidiam seu movimento como se fossem folhinhas adolescentes: rebeldes, donas de si. Eram dançarinas executando movimentos solo, eram casais num pas de deux maravilhoso, envolvendo várias folhas, todas em papéis principais.

As árvores formavam um contraste curioso com os prédios ao redor. Esses não dançavam, estavam fixos no chão, austeros, inflexíveis. No seu interior talvez existisse movimento, pode ser… Nas construções humanas, o movimento é social, os deslocamentos são políticos e econômicos, é outro nível de existência, outra lógica, outras mobilidades e dinâmicas. São movimentos medidos, calculados, controlados e regulados.

Tudo se move, mas com personalidades distintas. As estruturas humanas — residências, pontes, estradas, veículos, ferramentas, alimentos, relações sociais etc. — têm como uma de suas mais marcantes características a transformação permanente, decadência e renovação, nascimento e morte, conflitos entre classes, entre gerações e entre as diferentes culturas, no tempo e no espaço. Cabe à história dar conta dos movimentos sociais em curso, dos vindouros, dos que aconteceram no passado e sua inter-relação.

Vez ou outra surgem as mais instigantes conexões. Basta ver a superação dos preconceitos e os entendimentos realizados no contexto da imensa biodiversidade na qual nos inserimos. Vínculos ininterruptos revelam inúmeras transcendências no plano da natureza e da sociedade. As árvores nos mostram isso com seu balé mágico, extraordinário, constante. Por incrível que pareça, esta pode ser uma das razões que levam muitas pessoas a cortá-las. Sentem medo delas e querem erradicá-las, desmatar, queimar, negar a beleza da vida. Não sabem enxergá-las em sua plenitude, como seres incríveis, viventes sensíveis, interligadas a nós. Só enxergam nelas o horror que há dentro de si, insuportáveis e intolerantes. Destinar um tempo para admirar o balé das árvores nos ajuda a superar ignorâncias e idiotices e a compreender o mundo em que vivemos.

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