CHECKLIST MUNDO

Turismo sem noção: vale tudo apenas por uma foto?

Gisele Barcelos
Publicado em 27/10/2019 às 22:07Atualizado em 18/12/2022 às 01:26
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Paisagens bonitas, história, culturas diferentes, arquitetura, curiosidades... Tudo isso já foi inspiração para roteiros de viagem em diversas partes no mundo. No entanto, com as redes sociais cada vez mais protagonistas do nosso dia a dia, até mesmo as tendências de turismo vem sofrendo a interferência do ambiente virtual.   Assim como a simples conferida no espelho se transformou em registro do look do dia em busca de likes e cada refeição agora é compartilhada em comunidades virtuais pelo mesmo motivo, muita gente tem se deixado levar pelas redes sociais para definir o itinerário da viagem.   Nessa onda, o sucesso do filme Coringa vem levando uma série de turistas e influenciadores a despencarem no Bronx em Nova York apenas para garantir um clique nas escadarias onde Joaquim Phoenix encenou a ascensão do vilão de Gotham. 

Os 132 degraus no Bronx que ligam a Shakespeare Avenue à Anderson Avenue estavam muito longe dos circuitos turísticos, mas agora já estão marcados no Google Maps como "Joker Stairs" e os viajantes até fazem fila para posar no local, imitando a pose e até o figurino usado pelo ator.

A popularidade do cenário, entretanto, não agradou os moradores do bairro, que tem feito uma série de críticas aos visitantes por ignorarem o passado de crimes ocorridos no spot cinematográfico e também por não mostrarem o menor interesse em conhecer de verdade o Bronx. Grande parte da galera simplesmente chega de Uber, garante a foto para bombar no Instagram e corre de volta para a Times Square em Manhattan. 

Não me entenda mal. Sou a favor de viagens inspiradas por filmes, livros e séries. Porém, apenas clicar um lugar onde seu personagem favorito passou e ir embora é muito raso. Viajar é uma oportunidade única para expandir os horizontes, conhecendo outras realidades e costumes. Mas isso só é possível se dedicarmos tempo para mais do que uma foto.

Falando especificamente sobre o Bronx, o bairro é o lar dos Yankees, um dos maiores  times de baseball de Nova York, e é possível até fazer um tour pelo estádio,  sabia? É também no Bronx onde hoje estão a comunidade italiana e a verdadeira Little Italy, com restaurantes genuínos para comer pasta fresca ou tomar um expresso digno. Naquelas bandas, ainda tem o maior zoológico da cidade e a casa onde viveu o poeta Edgar Alan Poe, sem contar toda a história relacionada ao surgimento do hip-hop. 

Talvez nem todos os rolês no Bronx rendam fotos que virem sensação nas redes sociais, mas há muito mais do que a pose a la Coringa nas escadarias. Pense quanta história voltaria na bagagem depois de um tour bem feito nessa região.

Não é a primeira vez que os turistas são contagiados pela febre das redes sociais. Depois do sucesso da série Chernobyl na HBO, uma legião de gente se dirigiu ao local da tragédia na Ucrânia para posar ao lado de medidores de radiação e mitar no Instagram. Teve até YouTuber brasileiro famoso (cujo nome nem merece ser citado) que gargalhava ao colocar o aparelho perto de comida, animais e o que mais estivesse no caminho. 

A vergonha não parou por aí: teve gente que tirou selfie sorrindo, visitantes que resolveram fazer uma graça simulando que estavam morrendo estrangulados e até quem decidiu sensualizar tirando fotos só de biquini na área de exclusão. Vários exemplos de zero de reflexão sobre tudo o que aconteceu no local.

A repercussão negativa foi tanta que o próprio criador da série Craig Mazin deu um puxão de orelha via Twitter e pediu aos turistas para terem respeito a todas as pessoas que sofreram e morreram na tragédia de Chernobyl.

Na minha opinião, entender o pano de fundo do lugar que você ficou curioso para visitar por causa de um filme, livro ou série é justamente o que vai tornar toda a experiência ainda mais especial. Não tenho fotos do interior da Abadia de Westminster, mas juro que chorei ao ver o cantinho dedicado ao escritor CS Lewis - autor do livro As Crônicas de Nárnia - no interior do monumento em Londres. Até hoje, a lembrança desse momento ainda me traz um sorriso.  Então, não invista dinheiro apenas para tirar fotos de viagem, aproveite e volte também com muita história para contar dos lugares que você visitar ao longo do caminho.

*Gisele Barcelos é uma jornalista viajante, que adora pesquisar e montar roteiros para aventuras pelo Brasil e exterior. Além de escrever sobre política no Jornal da Manhã, é autora do blog Checklist Mundo, onde compartilha suas andanças e experiências pelo mundo afora.

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