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Como funciona Uberaba (ou Der Himmel)

O crítico literário inglês James Wood admite que a narrativa realista moderna inicia-se

Luciano Bitencourt
Publicado em 15/12/2017 às 19:58Atualizado em 16/12/2022 às 08:11
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O crítico literário inglês James Wood admite que a narrativa realista moderna inicia-se com o escritor francês Gustave Flaubert, embora Dom Quixote, de Cervantes, seja um divisor de águas nesse quesito. Há controvérsias. Major Eustáquio, nos primórdios do século XIX, quando regente dos Sertões da Farinha Podre e ao fixar-se na margem esquerda do Córrego das Lajes, ultrapassou de maneira extraordinária os limites da ficção. Foi ele quem preparou para a boa prosa e para aqueles que mais tarde ingressariam na condição de flâneur o terreno até então infértil para algumas culturas. Vagar pelos acontecimentos do antigo Arraial da Capelinha conduz às mais propícias divagações. As enchentes de 1996 e de 2017 e o assalto à Rodoban são, ou não são, enredo de novela? Caso trocasse a Rússia czarista pelas atuais sete colinas, Dostoiévski necessitaria ao menos de 2.562 páginas a mais para descrever as mazelas espirituais do descrente Ivan Karamazov. Aqui, o personagem teria que expressar seu ceticismo em relação às dezenas de igrejas católicas e evangélicas, aos centros espíritas e terreiros de candomblé e umbanda, às unidades Rosa Cruz, Seicho-No-Ie, Logosófica e Ufológica, bem como às manifestações de fé localmente mais tímidas como o judaísmo, o islamismo, o zen-budismo e a ayahuasca. O escritor George Orwell também teria mais inspiração para escrever A Revolução dos Bichos, e o corrupto personagem Napoleão, se conhecesse antes o braço direito dos diretores do grupo JBS – outrora filho ilustre da cidade. Uma vez que Hemingway tivesse trocado a Espanha por uma visita à Travessa Eduardo Gotti, 65, na Abadia, afirmaria que o poético título Por Quem os Sinos Dobram era uma homenagem à fundição ali localizada. E o que dizer do pai interpretado por Michael Palin, do Monty Phyton, em O Sentido da Vida, quando comparado ao casal Cleófas e Anita e seus 15 filhos – todos à luz por parto natural? Rob Fleming, de Alta Fidelidade, colocaria na lista das “cinco mais” a loja de discos de vinil Rarus, a produtora de discos de vinil Sapólio Rádio e o Laboratório 96 (que apresenta artistas que ainda hoje lançam discos de vinil)? Ao tratar a forma realista de narrar o mundo, Wood comenta a objeção de Connolly a certos nomes comuns que deveriam ser proibidos nos romances. Com o professor de Artes Mizac Limírio, a lista de Connolly perderia sentido. Mizac tem como primos os irmãos Lusziano e Sidralúcio, e tios os inesquecíveis Sidrac e Abedenago. Aliás, pesquisadores e acadêmicos travam uma verdadeira batalha pela origem do nome Uberaba. Se vivo estivesse, talvez o professor Erwin Puhler defendesse que Uber vem do alemão uber (acima de/do”) e Aba do hebraico אבא (Pai). Talvez não, seria ufanismo demais. No próximo 25 de dezembro, completam-se 40 anos da morte de Charles Chaplin. E o que isso tem a ver com Uberaba? Nada. Quer dizer, desde que ninguém nos convença que o grande Carlitos tenha nascido na cidade – naturalidade que, em razão do teor ficcional desta terra, apesar de improvável, pode não ser impossível. Ó céus!

(*) Filósofo e escritor

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